SE O TEMPO FOSSE OURO..., TALVEZ PUDESSES PERDÊ-LO. - MAS O TEMPO É VIDA, E TU NÃO SABES QUANTA TE RESTA.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O INICIO DA FILOSOFIA NO BRASIL.


Falar de filosofia não e assunto fácil, pois, não existe propriamente a filosofia, mas sim filosofias. Cada homem e mais especificamente cada pensador é capaz de conceber ou captar aspectos da realidade que constituem não poucas vezes idiossincrasias pela qual se pode compreender melhor o mundo, mas que, não constitui a única forma de concebê-lo.
Quando falamos no ensino da filosofia, a questão se torna mais grave, pois muitos vão dizer que a filosofia é um saber que não serve para nada e em nada influencia o mundo no qual vivemos, e temos nossas ações praticas, no qual ganhamos o pão de cada dia com nossos esforços pessoais e nossas habilidades nessa ou naquela profissão. Ou seja, ao invés das instituições de ensino se preocuparem com a filosofia, seria melhor se preocupar com o desenvolvimento e o ensino de técnicas, úteis aos indivíduos no seu dia a dia.
Mas essa preocupação com a prática, própria a quem tem que se dedicar a garantir as condições mais essenciais do ser humano, não é capaz de garantir ao individuo nem à sociedade condições dignas de vida e a manutenção dos valores éticos. O mundo da necessidade e o da dignidade, são dois aspectos da existência humana que devem ser contemplados. O primeiro está no mundo da matéria, da técnica; o segundo é uma intenção do espírito que é capaz de perceber o mais perfeito e o menos perfeito, o bem e o mal, o justo e o injusto. Só o mundo do pensamento é capaz de nos garantir uma vida civilizada, em oposição à mera existência bruta. Esse é o eixo pelo qual deve ser entendido esse trabalho.
Trataremos da importância dos pensadores brasileiros no ensino superior, e para tanto, iremos utilizar a história do Brasil para demonstrar todo o percurso de implantação e a consolidação da filosofia como disciplina, salientando que deve ser ensinada levando em consideração os esforços de interpretação de nossa própria identidade enquanto nação. Não se trata de nenhum tipo de nacionalismo, mas sim de saber ver em nós mesmos a fonte da solução de nossas próprias questões. De pensar de acordo com nossa própria realidade e com nossas próprias forças. Pois a filosofia é a expressão da energia vital de um povo.
Na Grécia surgiu um tipo de conhecimento do mundo e do homem que deu origem a todas as ciências modernas, assim também, temos que entender que o Brasil ao ser fundado, teve e tem, uma característica peculiar à sua natureza social que o distingue de todas as demais nações, e que deve ser considerado em nossas soluções, pois a filosofia nada mais é do que a formulação de soluções a problemas colocados pela realidade.
Esse trabalho não e a demonstração sistemática de todos os pensadores brasileiros, e de seus trabalhos, mas a passagem pela história do período da colonização até hoje, tentando ressaltar alguns aspectos da prática da filosofia e a sua influência histórica na sociedade brasileira, o que deu impulso para importantes transformações sociais, econômicas e políticas.
A partir da constatação dos vícios e das virtudes de nossa filosofia que pretendemos deixar entrever é a relevância do estudo de nossas raízes filosóficas que começa a se estabelecer no solo da consciência nacional, e que passa ser vitalizada pela implantação do ensino da filosofia como disciplina no currículo oficial do ensino médio, o que deve também dar um novo impulso para os cursos superiores.



Um ambiente colonial

O problema das características e do estudo da filosofia no Brasil não deve ser formulado em termos de Europa e muito menos em comparação com a Filosofia Clássica, onde a maturação de diversos fatores sociais, econômicos e culturais, gerou um “amor a sabedoria” muito específico e muito pontual, que deu origem o pensamento ocidental.
A filosofia Jônica, que marca historicamente o aparecimento da filosofia como saber, foi suscitado, pelo desmoronamento de crenças mitológicas e atendeu a uma necessidade de explicação racional do mundo, em um momento histórico que não comportava mais as explicações descritivas tal como eram dadas pelas cosmogonias, uma vez que com a expansão comercial e marítima, se verificou que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros povos, com concepções diversas de mundo e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitadas por monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou assim, a exigir a reelaboração da explicação sobre a origem do universo que o mito já não podia oferecer. Tal fenômeno é entendido como um processo de racionalização do mundo, que ocorreu a partir das invasões dóricas em 750 a.C, que ocasionaram um grande movimento migratório dos povos que originalmente ocupavam a Grécia em direção às ilhas do Egeu e a costa ocidental da Ásia menor e Jônia, e, nos dois séculos seguintes o mundo grego se espalhou para o sul da França, Espanha, Sicília e sul da Itália, norte da África e costas do mar negro. O contado com os povos do Egito e Oriente próximo propiciou o renascimento econômico, artístico e cultural do mundo grego, o aprendizado da escrita com os fenícios, com quem os gregos aprenderam a usar o alfabeto para as relações comerciais. A partir daí, então, temos também o registro escrito da tradição oral da Ilíada e da Odisséia, de Homero nascido na Jônia. Data também desse período à organização política e social das cidades estados gregas, baseada na cidadania, cujo exemplo foi tomado do regime monárquico da ilha de Chipre e dos Estados da Fenícia. (CHALITA; p.15-16, 2004)
Já na Europa, podemos afirmar, que a filosofia surge como resposta às crises sociais das crenças ao longo da história medieval, renascentista e moderna, ou simplesmente como solução à problemática de determinado pensador.
Por outro lado, a filosofia no Brasil ocorre no contexto de vida e de pensamento do complexo colonial.
Bosi (p. 11, 1994) diz que a colônia é, de inicio, o objeto de uma cultura, que no nosso caso, foi a terra a ser ocupada, o pau Brasil a ser explorado, a cana de açúcar a ser cultivada, o ouro a ser extraído, que gera a aculturação do português e do negro à terra e às raças nativas.
Mas esse complexo colonial ocorre não somente numa perspectiva de exploração de matéria prima, mas também na perspectiva civilizatória cristã.
Esse duplo aspecto está plasmado já na “certidão de nascimento” de nosso pais, a Carta de Caminha.
Pero Vaz de Caminha, escritor português que se notabilizou nas funções de escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral e que passou para a história com a belíssima carta que escreveu a Dom Manuel I, 14.º rei de Portugal, comunicando a descoberta do Brasil, nos apresenta bem o ideal civilizatório vislumbrado diante da visão da terra e de seus habitantes:

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber... Mas apesar de tudo isso andam bem curados, e muito limpos. E naquilo ainda mais me convenço que são como aves, ou alimárias montesinhas, as quais o ar faz melhores penas e melhor cabelo que às mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem casas nem moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz tais. Nós pelo menos não vimos até agora nenhumas casas, nem coisa que se pareça com elas...Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos - terra que nos parecia muito extensa.
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!
E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. (CAMINHA 1/05/1500; apud , 2008).

Se é inegável o aspecto mercantilista da colonização do Brasil, também deve ser inegável o ideal cristão que se pretendia ver realizado na Terra de Santa Cruz. Como não faltam aos críticos do catolicismo, documentos que denunciam, sob a égide marxista, a exploração dos recursos da terra, também não faltam documentos que comprovem o zelo dos nossos primeiros colonizadores para com os daqui.
Em 1549 desembarcam na Bahia os primeiros jesuítas, homens de talento e de virtude, personificados e brilhantemente representados pelos vultos de Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, Ignácio de Azevedo, Andreoni, Betendorf, João de Almeida, Antônio Vieira, e muitos outros.
A esses primeiros colonizadores, além da catequese, não se deve esquecer o benefício da instrução literária que o Brasil recebeu quase que exclusivamente da Companhia de Jesus por mais de dois séculos.
Só Anchieta, homem culto, educado em colégios da Companhia na Coimbra humanística do século XVI, nos lega de inicio, várias obras de valor, em poesia e em prosa, são elas: De gestis Mendi de Saa; Poemas Eucarísticos; várias peças de teatro reunidas numa edição chamada “Teatro de Anchieta”; Poema da Bem Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus; Lírica Portuguesa e Tupi; Lírica Espanhola; Correspondência ativa e Passiva “Cartas de Anchieta”; Catecismo (em Tupi); Gramática tupi; Doutrina Cristã (em tupi); Sermões.
Esses homens que aqui chegaram se depararam com uma situação sui geniris. Encontraram aqui um povo, digno de simpatia, pelo fato de terem sido os primeiros ocupantes do solo brasileiro, nossos compratiotas, por assim dizer, a quem deveríamos nós, votar um sentimento de solidariedade.
Por outro lado, porém, ao se examinar a vida dos indígenas em seu estado primitivo, e ao se tomar conhecimento de seus costumes, sua moral, o sistema pelo qual obtinham o que precisavam para viver, produto muito mais de sua inação do que de seu trabalho, uma vez que eram avessos a toda atividade metódica, as opiniões daqueles primeiros colonizadores se tornou rotundamente desfavorável.
Em “De gestis Mendi de Saa” , nos versos finais, temos uma noção do problema dos povos indígenas e também da solução necessária para se construir um futuro grandioso, bem como o potencial que viam em nossa terra:

Exceditque altos tua magnificentia caelos.
In fines iam, Christe, tuum diffunditur orbis
Nomen, ut effusi latices fluitantis olivi;
Et mundi extremos penetravit adusque Iapones.
Te quoque adorabit caecis erepta tenebris,

Divinae exortu lucis radiata micanti
Natio, quae humana pascit fera víscera carne,
Et subecta Noto noscet tua nomina tellus;
Aureaque aaustrali succedent saecula mundo,
Cum tua brasiles servabunt dogmata gentes.
(ANCHIETA, p. 226-229, 1986)
Os versos em latim De gestis Mendi de Saa, foram feitos para, Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil que expulsou os franceses instalados na Guanabara. Em sua homenagem, Anchieta escreveu a epopéia: primeira obra da Literatura brasileira, embora escrita em latim. A epopéia nasceu de acontecimentos presenciados e de relatos de alguns dos protagonistas. Foi publicada em 1563 em Portugal, sob anonimato. A obra é importante para compor a história do Brasil, mas é também de grande valor literário, por conter o germe do indianismo. Os textos de Anchieta mostram o universo da natureza tropical, a geografia, os reinos animal e vegetal. Há simpatia e admiração pelas qualidades naturais do índio, apresentando-o com seu sistema de vida, costumes, coragem, sem qualquer exagero proveniente de uma visão idealizadora. Em Anchieta, os traços indianistas são genuínos, nascidos da observação. E o que ele observa é uma terra que mais parece o paraíso terrestre, com um povo cujos costumes precisam ser radicalmente reformados a fim de progredirem e evidentemente, de se adaptarem à nova realidade dada no contexto dos descobrimentos.
Com tal perspectiva, fundam-se então no Brasil, os primeiros colégios, destinados a educação e conversão dos gentios.
As normas de estudo utilizados pela Companhia foram as Constituições, que depois foram substituídos pelo célebre Ratio Studiorum, que começou a ser elaborado ainda no tempo de Santo Inácio de Loyola, mas foi concluído no tempo de Cláudio Aquaviva em 1586, imprimiu-se, como manuscrito, em 1591, e promulgou-se, depois da impressão definitiva, como lei geral da Companhia de Jesus, no dia 8 de Janeiro de 1599. (LOYOLA p. 578-600, 1952)
É bem sabido que a educação no Brasil, é tributária da Companhia de Jesus. Se assim é, ao longo de toda a nossa história, quanto mais no tempo da colonização. Quero desde já salientar que não concordo com às criticas extremadas que são feitas à educação jesuítica e muito menos aos aspectos culturais de nossa colonização. É preciso estabelecer essa primeira estranheza com relação aos escritos e slogans que versam sobre esse assunto, para melhor vislumbrar, no decorrer desse trabalho o papel da filosofia na cultura brasileira para o século XXI. Ora, é sabido que tal critica é promovida por setores revolucionários, á frente dos quais figuram, ao lado de elementos das velhas esquerdas políticas ou das novas esquerdas culturais, conhecidos membros da hierarquia católica de esquerda, grupos e ongs indígenas surpreendentemente neo-racistas, partidários de um apartheid cultural extremado, cuja aplicação poderá levar, nada mais, nada menos, do que ao esfacelamento social, político e territorial do Brasil, como podemos muito bem antever nos acontecimentos recentes a respeito da construção de hidroelétricas e da demarcação de terras na Amazônia (LEITÃO; 2008).
Isso posto, passemos então a discrição dos cursos nos primeiros colégios no Brasil, nos quais a filosofia ocupa lugar de destaque.

A Filosofia nos primeiros colégios

Nos primeiros colégios da Companhia de Jesus, segundo as Constituições escritas por Santo Inácio de Loyola devia haver algumas aulas de ensino secundário, pelo menos Gramática ou Humanidades.
Mas os padres e irmãos também se dedicavam, fora dos Colégios, nas casas espalhadas pelas capitanias, a ensinar a ler, escrever e cantar, além da catequese.
Depois do estudo elementar se ensinavam as Letras Humanas, o latim, o grego e o hebreu. As Letras Humanas consistiam, além da Gramática, da Retórica, da Poesia e da História, que tinham por finalidade própria a evangelização. Então, as línguas a serem aprendidas podiam variar de acordo com o país ou região a que fossem destinados, se fossem para os mouros ou turcos deveriam aprender a língua arábica ou caldaica; os que fossem para a Índia, a índica, e assim para outras. Pois Santo Inácio considerava que a língua é o instrumento apto e próximo para a conquista das almas. Daí no Brasil o estudo da língua indígena, o tupi, que Anchieta se apressou por aprender.
O Ratio de 1599 divide o curso de Letras Humanas em três grandes seções, Retórica, Humanidades e Gramáticas, subdividindo esta última em suprema, média e ínfima, primeiro estágio de todos os estudos na Companhia.
Então quando se lê nos documentos que havia duas classes de latim, isto significa, não algumas das subdivisões da Gramática, mas duas daquelas três grandes seções: Gramática e Humanidades.
Nosso primeiro professor de latim foi o Irmão António Blasques no Colégio da Baía, em 1553, pouco depois de chegar de Portugal, na expedição em que vieram, entre outros, Grã e Anchieta.
Ao estudo do latim, juntou-se, no Renascimento, o da língua grega, igualmente clássica, mas o latim, teve predominância, uma vez que nele, estavam então escritas ou traduzidas todas as grandes obras da antiguidade e nele se escreviam ainda todos os documentos científicos do tempo. Ressalte-se aqui que mais tarde Schopenhaurer vai considerar que a abolição do latim como língua geral da erudição foi um verdadeiro desastre para a Europa, uma vez que isso diminuiu consideravelmente as cabeças capazes de pensar devido o alcance das idéias ter ficado compartimentado nas fronteiras lingüísticas. (SCHOPENHAURER; p 32, 2006).
Assim, os pedagogos do século XVI davam importância decisiva ao estudo do latim, e defendiam-no por todas as vias possíveis enquanto Melancton proscrevia a língua dos programas do Saxe. Triste conseqüência da reforma.
No Colégio da Bahia exigia-se que os grandes exercícios escolares se escrevessem em Latim. Também se devia falar latim nos dias de aula. O português era permitido durante os recreios e nos dias feriados. O rigor e a disciplina obedecia ao mesmo critério a recomendação, que deixou o Visitador Cristóvão de Gouveia, em 1586:

“Procurem os Superiores com toda a diligência que nunca faltem às lições públicas nem os mestres nem os estudantes de casa, dando-lhes todo o tempo e mais ajuda necessárias para as estudar. Não se façam coplas em romances nas escolas, sem licença do Padre Provincial, nem representações alguma, fora das classes, e muito menos em procissões de estudantes, nem usem de foguetes, sem a mesma licença”. (LEITE; t.I, p. 73, 1938).

Cortando assim o caminho a distrações repetidas e demasiadas, pois que tudo isto admitia o Colégio, mas com devida ordem, os estudantes progrediam rapidamente, no estudo das Letras Humanas, que sempre se cultivaram e recomendaram expressamente. Até uma vez, em que por falta de alunos se deixou de começar um curso de Teologia especulativa (1579), o P. Geral, consentindo naquela supressão provisória, acrescenta que se mantenha o de Teologia moral e o de Letras, “porque, ainda que sejam poucos os alunos e o fruto pouco, se deve estimar em muito”. Leite salienta que nada disto impediu o cultivo da língua portuguesa, antes o favoreceu com a disciplina clássica. Coincidiu, com o ensino dos Jesuítas, o período mais brilhante da Literatura Portuguesa. O próprio Vieira não teve outros mestres nem outros métodos, e seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e as universidades freqüentemente exigem sua leitura. (Ibidem p. 73-74)
No curso de Letras Humanas estudavam-se clássicos, desde Ovídio a Horácio, e desde Demóstenes a Homero. Mas os mestres de estilo, mais recomendados pelo Ratio, eram Cícero e Virgílio. Grego não se estudou no Brasil, no século XVI. Mas, fato digno de nota, é que em compensação, havia o que os Padres classificavam de grego da terra, que era a língua dos índios, que começaram a ensinar em lugar do grego clássico.
Depois do curso de Letras vinha a instrução superior que constava de aulas de Filosofia, de Teologia e Casos (Teologia Moral). As Artes ou Ciências Naturais como então se denominava o curso de Filosofia, e abrangia a Lógica, a Física, a Metafísica, a Ética e a Matemática. No Ratio desenvolveu-se isto mais no que toca sobretudo ao método, autores e doutrinas. No Brasil recomendou-se o curso, da mesma forma que o indicado para Coimbra em 1567, com duração de três anos, ao modo do Colégio Romano. Em 1568, a Congregação Provincial da Bahia autorizava que se iniciasse o curso assim que houvessem alunos o suficiente para as aulas de Dialética e Teologia. O curso de fato começou quatro anos depois, 1572, e foi o primeiro curso de Artes (Filosofia e Ciências) no Brasil, e teve como primeiro professor Pe. Gonçalo Leite, recém-chegado de Portugal. (Ibidem p. 75-76, 1938).
O Ano de 1575 é uma data histórica para o Ensino Superior no Brasil, temos a primeira colação de graus acadêmicos, e foram justamente os graus de bacharel em Artes conferidos aos alunos que principiaram o curso, em 1572.
Os formandos eram da companhia e alguns outros externos, esses, em 1578 receberam as primeiras láureas de Mestre em Artes, e em 1581, o doutoramento. A colação de graus foi um evento social, e nela estiveram presentes o governador geral. Houve, além das lições de Teologia e de casos de consciência, outra de Teologia exclusivamente destinada aos que tinham concluído o curso de Artes, alem das célebres disputas. A cerimônia fez-se solenidade e com o aparato como nas Academias da Europa. Não faltou nem o anel, nem o livro, nem o cavalo, nem o pajem do barrete, nem capelo. (Ibidem p. 96-97, 1938).
O êxito do esforço pedagógico foi grande, e com alegria Anchieta revela que “o número de estudantes aumentou este ano: 100 além dos meninos da escola elementar, que são quase outros tantos. Nestas, regiões, onde ninguém cultiva as letras, e todos se dão a negócios, é o Maximo. E ainda que aumentassem numericamente, contudo, em letras e virtude, fizeram mais progressos do que nunca nesta Província.” (Ibidem p. 97, 1938).
Assim, ao terminar o século XVI, nas três egrégias instituições, os Colégios da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, já haviam o número de 12 professores, alguns deles graduados, capazes de ensinar Teologia, Artes e Humanidades em qualquer parte do mundo.

O Ratio Studiorum para a Filosofia

O Ratio studiorum, apresenta regras para o ensino de todas as disciplinas ensinadas pelos jesuítas, e para a filosofia, apresenta logo de inicio algumas prescrições gerais, e depois a forma e o conteúdo a serem ministrados nos três anos de ensino da filosofia, e depois da filosofia moral.
Para os Jesuítas a finalidade da Filosofia era preparar a inteligência para a teologia e contribuem para a sua perfeita compreensão e aplicação prática e por si mesmas concorrem para o mesmo fim. O professor dessas matérias deveria ter em mente todas as coisas e a maior honra e glória de Deus, e tratar assim com a diligência devida essas matérias, de modo à bem preparar os seus alunos nessa perspectiva.
Aristóteles era citado nas questões filosóficas de mais importância, mas nos pontos em que o filósofo se afastava da doutrina da Igreja, usava-se as prescrições do Concílio de Latrão para refutar tais desvios.
Os autores infensos ao Cristianismo, e comentadores de Aristóteles, não deveriam ser lidos nem citados em aula para que os alunos não tivessem afeição. Por essa mesma razão não se deve citar Averróis nem autores semelhantes, e se for necessário usar algum argumento deles deveria ser feito através de outra fonte.
Nem professor e nem os alunos deveriam filiar-se a em seitas filosóficas como a dos Averroistas, dos Alexandristas e semelhantes; nem dissimular os erros de Averrois, de Alexandre e outros, mas, com todo animo, se esforçar por lhes diminuir a autoridade.
Santo Tomás de Aquino era sempre seguido e elogiado, e quando ocorria alguma divergência com relação ao Doutor Angélico, fazia-se sempre com pesar e reverência.
O curso de filosofia durava três anos, com duas horas diárias, uma pela manhã.

Do que se deve ensinar no primeiro ano.

De acordo com a Ratio, a lógica deve ser ensinada no primeiro ano, mas especificamente no primeiro trimestre, discutindo somente se é ciência, qual o seu objeto, e alguns pontos sobre os gêneros e as espécies; a discussão completa sobre as idéias universais remetendo-as para a metafísica, contentando-se aqui de noções elementares. Sobre os predicamentos recomendava-se expor os pontos mais fáceis como, mais ou menos, se acham em Aristóteles, tratando somente o necessário sobre a analogia e a relação de forma a contemplar a prática das disputas.
Dava-se um rápido sumário do 2.° livro e dos dois primeiros livros da Analítica com exceção dos oito ou nove primeiros capítulos do primeiro livro, embora se fizesse a exposição das questões com eles relacionadas, mas muito brevemente a relativa aos contingentes na qual não tratavasse cousa alguma sobre o livre arbítrio.
Para que no segundo ano se pudesse consagrar inteiramente à Física, no fim do primeiro ano desenvolveria-se o tratado da ciência, e nele incluía-se quase toda a introdução à física como a divisão das ciências, abstração, especulativa e prática, subalternação, diferença de métodos da física e da matemática, de que trata Aristóteles no 2.° livro dos Físicos, e por fim tudo o que acerca da definição se encontra no 2.° livro de Anima.
Quanto ao conteúdo do livro dos Tópicos e de Sofisticis Elenchis, refazia a exposição na ordem mais compreensível e possível explicando sumariamente a lógica.

Do que se deve ensinar no segundo ano.

No segundo ano, o Ratio, determinava o estudo dos oito livros Physicorum, os livros De Coelo e o primeiro do De generatione. Dos oito livros Physicorum lia-se sumariamente os textos do livro 6.° e 7.° e do 1.° a começar do ponto em que refere as opiniões dos antigos. No livro 8.° não se fazia a exposição do número das inteligências, nem da liberdade, nem da infinidade do primeiro motor, pois deveriam ser discutidas somente na metafísica, segundo a opinião Aristóteles. O texto dos 2.°, 3.° e 4.° livros do De Coelo deveria ser lidos brevemente tratando-se de algumas poucas questões sobre os elementos; sobre o Céu, as que se referem à sua substância e influências, sendo as restante compendiadas pelos professores de matemática.
Os livros meteorológicos deveriam ser dados nos meses de verão na última hora da tarde pelo professor ordinário e se fosse o caso por um professor extraordinário.

Do que se deve ensinar no terceiro ano.

No terceiro era explicado o livro segundo do De Generatione, os livros De anima e os Metafísicos. No primeiro livro De anima devia ser dada rapidamente as opiniões dos filósofos antigos. No segundo, explicando o que se refere aos órgãos dos sentidos, não deveria ser feito digressões sobre a Anatomia e outros assuntos que pertencem ao estudo da medicina. Na metafísica deveria estudar por cima as questões relativas a Deus e ao mundo das inteligências uma vez que pedem o estudo da doutrina revelada, mas, explicar com cuidado o prêmio e o texto do livro 7.° e do 12.°; e dos outros livros escolher somente os temas de metafísica.
Além de prescrever o conteúdo dos três anos, o Ratio estabelece também, como devem ser lidos os textos, a comparação com os termos gregos e com argumentos de autoridade. (LUKÁCS; p. 357-454; 1965)

A Companhia de Jesus e o ambiente filosófico Europeu

Loyola (1491 - 1556) legou a seus discípulos, como herança espiritual, a doutrina da importância preponderante da vontade humana, muito evidente nos Exercícios Espirituais, que consiste em um método para reformar e transformar uma alma, conformando-a com o divino modelo, Jesus Cristo, formando a vontade em ordem à santificação pessoal e ao apostolado.(LOYOLA, Exercícios Espirituais; 1952).
Essa prática, consagrada dentro dos “muros” da Companhia de Jesus, rapidamente se tornou o ponto de vista dominante no catolicismo, face ao movimento “reformador” de Lutero e Calvino. No seio da doutrina “reformada”, a liberdade pouco pode. Para Lutero, face á condição humana corrompida pelo pecado, a fé é a única salvação, para ele, a fé e causa diferente do arbítrio, Cristo morreu pelos nossos pecados, e aquele que acreditar nisso é um Cristão e será salvo, quem não possuir essa fé, embora pudesse fazer vários esforços para praticar boas obras e para se reformar a si mesmo, não seria salvo. Calvino vai ainda mais longe, pois para ele, nem a fé e suficiente para a salvação do homem corrompido, pois tudo depende de Deus, de Seu poder e de Sua Vontade. Desde o começo dos tempos o Criador outorgou a uma parte da humanidade, a vida eterna, á outra, a condenação eterna. Em todo o universo domina uma predestinação, que é uma eterna decisão de Deus, em virtude da qual Ele já estabeleceu para si mesmo o que será feito de cada criatura. (JAGUEY, t. IV p. 244-261, 1903).
Loyola considerava que apesar de todo respeito devido à graça divina, não se deveria perder de vista o valor da obra da vontade, tal como os hereges o haviam feito.
O jesuitismo elevou a questão da liberdade a um ponto culminante, e com isso, colocaram em relevo pela pratica dos Exercícios, a ampla liberdade da vontade humana e o mérito das obras, abrindo assim a brecha para a formação do homem moderno. O homem é colocado no âmbito de uma liberdade contraditória da escolha entre duas possibilidades opostas, entre o agir e o omitir, entre o bem e o mal, entre Deus e o Demônio, e, conforme a escolha que faz livremente, irá ser chamado para o reino dos Céus, ou condenado ao inferno.
A polêmica entre a predestinação e o livre arbítrio, penetra na Igreja, é um dos temas do Concilio de Trento e vai também para o âmbito acadêmico filosófico/teológico.
Assim é que, na Universidade de Louvânia surge uma tentativa de fazer frente ao disparate calvinista, por parte do Doutor Michael Bajus, eminente teólogo, que se aprofundou nas obras dos padres da Igreja, afim de, com eles, robustecer o ponto de vista católico relativo ao livre arbítrio. Mas ao invés de defender a tese do livre arbítrio, Bajus acaba por proclamar o determinismo e a predestinação.
Bajus foi combatido no campo intelectual pelo célebre Roberto Belarmino, um dos mais homens mais sábios e cultos da Companhia de Jesus, e cardeal da Igreja. Quando Belarmino era professor em Louvânia defendeu a tese de que uma certa graça era necessária ao homem para que este pudesse, por meio dela, conseguir mérito. Entretanto a graça não era eficaz, em si e por si, mas apenas pelo fato de que o homem não se opusesse a ela, mas procurasse com ela colaborar, e com uma sutileza especial, aprofundou-se em distinções finíssimas entre “gratia efficax” e “gratia sufficiens”, mas não conseguiu encerrar a polêmica.
Assim, outro célebre jesuíta desta vez, da Universidade de Évora, em Portugal, Luiz Molina, havia há muito tempo se consagrado a uma obra de grande fôlego, a “Concordia liberi Arbitrii cum gratie donis”, na qual procurou sintetizar tudo que antes dele, Santo Tomás de Aquino, Belarmino e outros teólogos, haviam imaginado sobre a questão da graça e do livre arbítrio. Para Molina, o homem poderia chegar ao conhecimento dos mistérios cristãos, mediante suas forças naturais, com uma colaboração geral de Deus, e isso porque Deus lhe outorga para a salvação a necessária graça da fé. Essa graça estava sempre ao alcance do homem, mas dependia, mas dependia antes de tudo de seu livre arbítrio. Quer dizer, o impulso para o ato de vontade necessitava de ajuda divina, mas, uma vez dado esse impulso, dependia do próprio homem que ele se decidisse pró ou contra a aceitação da graça. Em outras palavras, depende do homem que a graça dada por Deus seja eficaz ou não. Com isso, Molina se aproxima consideravelmente do pelagianismo.
Embora os próprios jesuítas entendessem que seu confrade havia ido muito longe em sua concepções, o defenderam contra a poderosa e eminente Ordem dos Pregadores, os dominicanos, que se consideravam então os únicos interpretes autorizados de Santo Tomás de Aquino, e não se demoraram em impugnar com todas as forças o Molinismo. Não foi uma polêmica simples, e chegou mesmo a causar animosidade entre as duas grandes ordens religiosas e uma situação delicada para o Papa, na época Clemente VIII. O assunto foi analisado atentamente pelas congregações vaticanas e, chegou-se até a preparar a condenação de Molina, mas, por conta de questões políticas envolvendo a república de Veneza e a Santa Sé, nas quais os Jesuítas, abnegadamente defenderam os interesse da Igreja, não se lançou a condenação e o Papa, mandou que ambas as ordem religiosas se pusessem em acordo e não mais tratassem do assunto. Assim se “resolvia” uma polêmica que durara 18 anos.
O que acontece a partir daí é que a questão do livre arbítrio deixa o âmbito das questões eclesiásticas e acadêmicas e passa para o âmbito da vida cotidiana. Passa a ser tema de comentários e disputas nos castelos, salões literários, círculos aristocratas, entre cortesãos, abades e confessores.
Um século após a morte do santo fundador da Companhia, a concepção expressa nos exercícios espirituais com relação à graça e o livre arbítrio contra a predestinação defendida pelos hereges protestantes, fermentou o ambiente para a famosa polêmica entre os jesuítas e os jansenistas.
O Jansenismo teve sua origem nas digressões teológicas de Cornélio Jansen (1585-1638), mais conhecido por Jansênio, bispo de Ypres. Este conjunto de doutrinas heréticas, ele condensou na obra Augustinus, escrita com a finalidade de compilar os ensinamentos de Santo Agostinho sobre a questão da graça e a predestinação. As proposições contidas no Augustinus são grosso modo a concepção de que, como conseqüência do pecado de nossos primeiros pais, a natureza humana, despojada dos elementos essenciais de sua integridade, encontra-se radicalmente corrompida e depravada. Dominada pela concupiscência, a vontade é impotente para resistir e tornar-se meramente passiva, não podendo fugir à atração que sobre ela exerce o mal, a não ser que se encontre ajudada por um movimento da graça superior à força da concupiscência. Deste modo, o homem irresistivelmente, mas de forma voluntária, faz o bem ou o mal, segundo se encontre dominado pela graça ou pela concupiscência, não podendo resistir nem a uma nem à outra. Ora, a doutrina professada no Augustinus, era visceralmente a mesma professada pelos calvinistas.
O foco de expansão do jansenismo na França foi o convento de Port-Royal, mas foi ganhando cada vez mais adeptos e teve como grande sistematizador o doutor da Sorbonne Antônio Arnaud (1612-1694), que definiu a doutrina e propugnou-a no ambiente intelectual.
Não é nosso intuito desenvolver e demonstrar a amplitude da questão jansenista que perdurou até o século XVIII, e é apontado como o movimento que deu origem às revoluções políticas e sociais do fim daquele século, uma vez que fomentou o relaxamento religioso, largamente praticado em Port-royal e que contaminou as sociedade pela incredibilidade que gerava. Nosso objetivo é mostrar como os filhos de Santo Inácio, a quem devemos boa parte da formação intelectual e espiritual brasileira, foram protagonistas das grandes mudanças que o mundo assistia a partir da saga dos descobrimentos e da colonização, e que, portanto, eram homens que estavam a par de seu tempo.
Bem no inicio do conflito jansenista, desenvolveu-se a juventude de um homem, que seria o primeiro a fazer uma tentativa decisiva de “libertar” o mundo de um sistema filosófico antiquado. Nos anos em que se debateu, interminavelmente, sobre a “Concordia” de Molina, estava estudando no colégio jesuíta de La Flèche o jovem René Descartes (1596 - 1650). O Pe. Charlet, reitor do colégio era aparentado com a família de Descartes, e, por esse motivo, consagrou ao pupilo um cuidado especial; entregou-o à assistência do Pe. Dinet, que mais tarde seria provincial da ordem. Nos oito anos que passou em La Flèche, Descartes familiarizou-se com toda a cultura filosófica de sua época, e com a cultura escolástica que recebeu, rompeu com as sentenças apoiadas inteiramente, nos julgamentos formulados por doutores tidos como autoridades, como era o costume da filosofia de então, e declarou que tudo deveria ser posto em dúvida, menos a própria dúvida, que é o principio de todo o filosofar. No reconhecimento de que a dúvida, como ato do pensamento, pressupõe, ao mesmo tempo, a existência de um ser pensante, chegou ele ao conceito do “Cogito, ergo sum”. (AUROUX & WEIL, 1993 p. 79-84)
O aparecimento de outro grande filósofo, Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 -1716) deu-se, justamente, no tempo em que as discussões entre jansenistas e molinistas, católicos, luteranos e calvinistas, no tocante ao problema da graça, do pecado original e da liberdade humana, havia resultado uma enorme literatura de controvérsias, daí suas obras “Sistema de Teologia” e a “Teodicéia”. (ibdem, p. 237-239)
Os jesuítas impugnaram todas as visões puramente mecanicistas a respeito da liberdade como as propostas por Espinosa (1632 – 1677) e Hume (1711 – 1776).
Também Kant (1724 – 1804) procurou resolver de forma satisfatória, o problema do livre arbítrio. Para ele não subsistia a menor dúvida que todo e qualquer fato real se articulava na cadeia da causalidade, e que, portanto, não havia lugar para o livre arbítrio nesse sistema da realidade. Todas as ações humanas dependem, como fenômeno natural, umas das outras, e se às nossas ações devessem ser atribuídas liberdade, então esta deveria ser procurada, necessariamente, fora de qualquer encadeamento temporal de causa e efeito. Kant admite, realmente, uma idéia extra temporal de finalidade para o ato moral, um “caráter inteligível”, no qual entreve o principio regulador do ato ético. Logo, se considerarmos a criatura humana como um caráter inteligível, então ela seria livre, ao passo que, simultaneamente, surge completamente determinada em suas ações puramente naturais, condicionadas causalmente.
A liberdade inteligível não tinha importância alguma para todo o querer empírico, em torno do qual, no entanto, girou a polemica atinente ao livre arbítrio. Mas, antes de tudo a liberdade inteligível, pela maneira de ver de Kant, não é indeterminação real, mas, pelo contrario, apenas uma liberdade no sentido da sua própria causalidade autônoma.(Abbagnano: 577-584, 1962)
Schopenhauer (1788 – 1860) também vai se debruçar sobre a questão da liberdade tomando por base absoluta a distinção kantiana entre caráter empírico e caráter inteligível escreve “O Mundo como Representação da Vontade”, cuja quarta parte apresenta um estudo sobre a liberdade que conclui que a mesma, no sentido rigoroso do termo (liberdade da causalidade), restringe-se à coisa em si (a vontade) e que todo fenômeno, sempre submetido ao princípio de razão, não é livre. (Schopenhauer, acesso em 21/05/ 2008)
Já em nossos dias, Henry Bérgson (1859 –1841), enfrenta a questão da liberdade restituindo-a à experiência existencial, ultrapassando a posição de Emmanuel Kant, para quem a liberdade seria uma conseqüência do dever, do imperativo categórico, segundo a fórmula: “tu deves, logo podes”. Para Bérgson, ao contrário, a liberdade, como autodeterminação, é a condição mesma da existência. (REALE, 21/05/2008).
Todos os pensadores, desde Descartes tiveram que tratar da questão do livre arbítrio, e também que reconhecer a insuficiência de suas especulações concernentes a esse problema.
Se por um lado, se mal de pode registrar um progresso real com relação a época da polêmica jansenista, vemos que a polêmica evoluiu para uma campo de “liberdade” no sentido de não mais serem acompanhadas de celeumas nem revoluções sangrentas. Na polêmica filosófica não interferiram os papas, nem em suas polemicas foram perseguidas freiras relaxadas espiritual e moralmente, nem foram presos monges fanáticos. Afinal, o homem é responsável pelos seus atos. E assim chegamos a um momento de liberdade de pensar graças as oposições que os jesuítas fizeram a todas as concepções filosóficas orientadas contra o livre arbítrio, com argumentos mais ou menos felizes a favor do mesmo. Diante da grande imprecisão de todas essas considerações especulativas, diante do esforço de todos os filósofos que se ocuparam desse problema, os contra argumentos dos jesuítas nunca deram a impressão de ser tão fracos que pudessem ser completamente colocados fora de atenção. O seu ponto de vista, na verdade, se não era mais bem fundamentado do que o dos seus adversários, também não era o pior. E assim a polêmica em torno do determinismo ou livre arbítrio subiu para seu verdadeiro lugar, a filosofia pura.
Evidentemente, não queremos aqui provar que a questão da liberdade seja uma questão nova e original, apontada pelos filósofos jesuítas, afinal a questão da liberdade é um problema filosófico tradicional. O que pretendemos mostrar e que os temas filosóficos surgem em um ambiente intelectual capaz de suportá-lo. A não ser assim, temos os perigos de uma paralisia na sociedade por não sermos capazes de pensar em nossos problemas em nossas soluções de maneira adequada, sendo não raro, a degeneração desses problemas em genocídios e guerras, como tão triste e ricamente se observou no século XX, período no qual filosofias mal formuladas serviram de justificativa para a ação de neo-bárbaros sanguinários como Stalin, Hitler, Fidel Castro e muitos outros.



FILÓSOFOS E ESCOLAS FILOSÓFICAS NO BRASIL




Já vimos como a filosofia veio parar aqui nas terras brasileiras e como ela se desenvolveu nas escolas.
A partir de então, pode-se afirmar com toda certeza, que nunca mais os temas filosóficos deixaram de estar entre nós.
Em seu livro, “A Filosofia na Fase Colonial”, Alcides Bezerra apresenta uma lista de autores que trataram de sobre filosofia no Brasil durante o período colonial. Manuel da Nóbrega pode ser considerado o que primeiro, no Brasil, escreveu sobre filosofia ética ou natural. Data de 1568 o seu breve tratado sobre a Liberdade dos Índios. Depois dele vieram: Pe. Antônio Vieira (1618-1676), Diogo Gomes Carneiro (1618-1676), Manuel do Desterro (1652-1706), Fr. Mateus da Encarnação Pina (1687-?), Nuno Marques Pereira (1652-1728), Matias Aires (1705-?), Fr. Gaspar da Madre de Deus (1715-1800), Francisco Luiz Leal (1740-?), Frei Caneca (1779-1825); Pe. Alexandre de Gusmão com o livro, sobre moral.(BEZERRA; 1935).
Mas toda a filosofia desenvolvida no Brasil, até os dias de hoje, carece de originalidade.(PADOVANI; p.525,1993).
De uma maneira geral podemos perceber que atitude do brasileiro face à filosofia e da ciência varia da admiração para a indiferença.Tal fenômeno ocorre por causa daquele complexo colonial a que me referi no primeiro capítulo, ou seja, a atmosfera cultural, já cinco vezes secular influenciada pelas condições de vida social e econômica que sempre estimulou o imediatismo utilitário da solução dos problemas mais imediatos de ordem prática material e econômica que deslocam para segundo plano ou até para o abandono das preocupações culturais e filosóficas. Mas aquela característica que Cruz Costa, Hélio Jaguaribe e tantos outros apontam como um defeito em nossa formação filosófica, a saber o ensino verbalista e literário, talvez seja uma virtude. Quero dizer com isso, que a pesar das necessidades de ordem prática terem sido sempre imperiosas, no contexto da vida social brasileira, por motivos que nos são óbvios, nunca deixamos de cultivar a filosofia, e a crítica de que nossos esforços não são originais nem profundos, não vale,uma vez que nossas condições não foram as ideais para o surgimento de uma cultura filosófica, já que nossa própria cultura e nosso modo de ser estavam se formando. Primeiro precisamos nos manter para sobreviver, depois para nos libertar, depois para manter nossa liberdade e unidade. Por isso não seria raro encontrar em nosso pensamento a simples reprodução do pensamento escolástico, mais conservador, propício a manter a estabilidade e a continuidade do conhecimento filosófico, em contraposição a tentativas de posições particulares, locais ou nacionais de nossos problemas, ou soluções humanas, que caracterizam um grau de reflexão mais elevado e propriamente ético-filosófico. Assim sendo, acredito que foi muito mais favorável para nossa formação o ambiente filosófico dos três primeiros séculos de nossa colonização do que a importação de correntes filosóficas que ocorreram a partir do século XIX. Não obstante é preciso reconhecer que também elas foram e são uma tentativa de solução para os nossos problemas.
Não obstante, é preciso ressaltar que dois fatores podem ter contribuído para nosso fraco desempenho filosófico. Primeiramente a falta de estudos metódicos. A filosofia, assim como outras ciências, requer a submissão às exigências de um estudo metódico, de uma disciplina regular na aquisição progressiva dos conhecimentos. Outro fator, é que mesmo quando se havia o ensino da filosofia, esta era apenas preparatória para jovens adolescentes que tinham que estudar os manuais para cumprir o currículo escolar, mas que no final das contas, sempre consideraram a filosofia como luxo completamente dispensável.
A despeito de tantas dificuldades, o Brasil não ficou sem seus filósofos.
Silvio Romero nos dá um quadro das correntes filosóficas que ocorreram no Brasil entre o final do século XVIII e no século XIX, a começar pela influência francês de Destut de Tracy e Laromiguière, e do ecletismo espiritualista de Cousin e Jouffrouy (1820-1850) que geraram em nossas terras pensadores como Monte-Alverne e Eduardo França, bem como de seguidores do ecletismo como Domingos G.Gonçalves de Magalhães e Morais do Vale. Daí seguiram reações de duas linhas, primeiramente a reação católica de Patrício Muniz e Soriano de Souza, e também do agnosticismo crítico, que adotou o monismo de Haeckel e Noiré, tendo como principal representante o famoso Tobias Barreto. (ROMERO; p.444-445, 1949)
Na segunda metade do século XIX temos duas correntes positivistas. A primeira, a corrente positivista de Littré, cujos principais representantes foram Luiz Pereira Barreto, Martins Junior e Souza Pinto, e a corrente positivista ortodoxa com Miguel Lemos, Teixeira Mendes, Benjamin Constant, Álvaro Joaquim de Oliveira e vários outros seguidores de menor importância. (ibidem, Idem)
No mesmo período ocorre também o evolucionismo sobre duas tendências distintas a saber, a corrente spenceriana com Silvio Romero, Artur Orlando, Clóvis Beviláqua, Samuel de Oliveira, Liberato Bittencourt, França Pereira, e outros de menor importância, e a corrente hackeliana, com Domingos Guedes Cabral, Miranda Azevedo, Lívio de Castro, Fausto Cardoso, Oliveira Fausto e Marcolino Fragoso. No mesmo período surgem também algumas tentativas independentes de filosofia representados por Estelita Tapajós, pelo Visconde do Rio Grande (J. de Araújo Azevedo)e por aquele que é considerado o primeiro filósofo brasileiro Raimundo Farias Brito(1862-1917). (Ibidem, idem)
Estas primeiras tentativas independentes constituem os primeiros frutos de uma filosofia “brasileira” embora sejam ainda deficientes mas, é preciso ter em vista que assim como o desbravamento e consolidação do território nacional se deu por influência daqueles bandeirantes que penetraram nas matas vencendo obstáculos de todas ordem e assim chegaram, através de seus fracassos e vitórias a espalhar a civilização pelo que hoje é o Brasil também os esforços filosóficos havidos desde que a educação plantou suas raízes entre nós passando por aqueles que foram simples expositores de idéias, por aqueles que foram críticos do pensamento, chegam até esses últimos que se julgam originais,sem o ser, ficai ai colocado uma tentativa de pensar o Brasil.
Farias Brito se depara com uma condição humana paradoxal:

Filosofar é aprender a morrer: são as palavras de Sócrates.E começando o trabalho com a idéia do mais puro dos pensadores antigos, não tendo em vista outra coisa senão tomar desde logo bem patente quanto nos deve preocupar o nada da nossa existência humana.Vivemos todos como se fossemos imortais, entretanto a morte é a única solução verdadeira do problema da vida. É assim que nossa atividade se desenrola sobre mil formas: pensamos e trabalhamos e nosso pensamento e nosso trabalho constituem uma luta constante, uma reação permanente contra inumeráveis influencias internas e externas; mas ao mesmo tempo que vamos pelo esforço de cada dia acumulando elementos para o combate da vidas, vamos do mesmo modo caminhando invariavelmente para a morte. (BRITO, p.13, 1957)

A partir dessa condição humana, e do ambiente cultural de sua época, Farias Brito surge como apóstolo da regeneração moral, com uma filosofia da crise que surge da consciência de nosso incerto e frágil existir que busca superar o mal pela verdade, mediante uma nova, absoluta e definitiva religião.

Considerando a dolorosa contingência a que estão sujeitas todas as nossas condições existenciais, quanto há de ilusórios em todas as nossas inspirações, a quanta desgraça estão sujeitos todos nós que vivemos condenados á morte, desconsiderando ou nada de todas as grandezas humanas, querem indagar essa imensa natureza que nos cercam, quero numa palavra, interrogar os segredos da consciência de modo a explicar a cada um a necessidade em que esta de compreender o papel que representa no mundo. Tudo passa tudo se aniquila. Pois bem eu quero saber: se do que passa e se aniquila alguma coisa fica, em virtude da qual se pode ter amor ao que já existe ou possa existir; se do que passa e se aniquila que não há de passas nem aniquilar-se: quero estudar esta ciência de que falava Sócrates, quero ensinar aos que padecem como é esperar com serenidade o desenhar da morte, quero dirigir aos pequenos e humildes palavras de conforto; quero levantar contra os tiranos as espada da justiça; quero em uma palavra, mostrar para todos que antes de tudo e acima de tudo existe a lei moral,e que é somente para quem se põe fora dessa mesma lei que a vida termina. (Ibidem, p. 21-22 )

O que Farias Brito aponta é a necessidade da metafísica. Para ele a filosofia é uma concepção do mundo, uma teoria que da a explicação de cada coisa no conjunto da fenomenalidade universal. Em um certo sentido a filosofia se distingue da ciência uma vez que essa é um conhecimento já feito, organizado e verificado, ao passo que a filosofia é um conhecimento em via de formação. Assim Farias Brito imprime uma dinâmica em sua filosofia, uma vez que segundo suas concepções ela é o princípio gerador da ciência e a base do sentimento moral, mas, não é propriamente uma ciência, nem sequer um dos ramos do conhecimento, mas, o princípio gerador do conhecimento. A filosofia é inteligência em ação explorando a natureza e produzindo a ciência, é o próprio espírito humano em sua atividade permanente e indefinida. (BRITO 1957).
O que claramente se percebe é que Farias Brito se depara com os problemas centrais da filosofia e do sentido do universo e neles permaneceu até o fim tentando alcançar uma solução que sabia ele que poderia ser apenas satisfatória mas nunca conclusiva,dada à atividade contínua do espírito. Certamente as críticas feitas a Farias Brito são movidas por motivos ideológicos pois seu pensamento foi acolhido pelos católicos de maneira geral e em especial por Jackson de Figueiredo (1891-1928) que foi o filósofo brasileiro que deu origem ao centro Dom Vital, cuja finalidade era reunir a elite pensante brasileira para as lutas apostólicas,defesa da Igreja e da ordem social vigente, direcionando essa atividade para uma atuação política direitista. Nesse sentido é que a maioria de seus opositores vão situar sua filosofia. Um exemplo acabado de como não devemos ler Farias Brito é o livro de Sylvio Rebelo, “Farias Brito” que pretende desmoralizar todo o esforço do filósofo, a partir de uma visão mais apologética do que técnica. (RABELLO 1967).
Devemos analisar o pensamento de Farias Brito a partir do momento cultural em que viveu, e dos problemas que quis resolver. É fato que no pensamento brasileiro do século XIX reinava o imanentismo, concepção do mundo segundo a qual o Absoluto é encerrado nos limites do ato humano, contido na realidade mundana e terrena. Não existe nenhum princípio transcendente nenhuma influência de Deus no mundo, ficando assim o homem sozinho no universo tendo que realizar então o seu reino sobre a Terra. Não é preciso dizer que tal concepção leva ao ateísmo e ao materialismo. Em oposição a corrente imanentista, a escolástica que desembarcou no Brasil já no início de nossa história filosófica, se renova no início do século XX por influência da Igreja que reconhece o Tomismo como sua filosofia oficial e recomenda a retomada do caminho trilhado por Santo Tomás. (LEÃO XIII; 1950).
No Brasil não havia uma tradição escolástica estruturada, mas isso não impediu que a corrente renovada da antiga filosofia tomista, agora com o nome neotomismo se espalhasse por toda intectualidade brasileira.
O principal filósofo adotado por essa corrente foi Jacques Maritain. A primeira grande iniciativa de fortalecimento da filosofia foi feita pelos beneditinos de São Paulo sobre o comando de Dom Miguel Kruse, que fundou no mosteiro a faculdade livre de filosofia, agregada em 1911 à Universidade Católica de Louvain (Bélgica) que foi reconhecida em 1936 pelo governo federal. Depois com a fundação centro Dom Vital em 1921 começa um grande movimento cultural no sentido neotomista. Estruturam-se institutos católicos superiores no Rio de Janeiro, Juiz de Fora, instituem as primeiras faculdades que na década de 40 se tornarão as faculdades católicas.Surge a iniciativa de tradução da Suma Teológica por Alexandre Correia, a Tradução das obras das Maritain, bem como de vários pensadores neotomistas como Régis Jolivet, Gilson, e surgem vultos de renome como Alceu de Amoroso Lima, Gustavo Corsão, Leonel Franca e Plínio Correa de Oliveira.
O pensamento neotomista alcança uma presença cultural incrível e os cursos de filosofia de organizam quase em todos estados, tanto nas universidades católicas como nos estabelecimento de ensino superior.São vários os nomes de pensadores neotomistas (Arruda Campos; 1968) mas merecem menção principalmente o de Leonel Franca e Plínio Corrêa de Oliveira.
Leonel Franca (1893-1948) foi um famoso jesuíta fruto final daquele espiritualismo que Farias Brito queria resgatar. A obra de Leonel Franca é de caráter polêmico. Escreveu sobre o divórcio na década de trinta, contra os protestantes entre 1922-1938 gerando ai três livros “A Igreja a reforma e a civilização” (1923) “Catolicismo e protestantismo” (1923) e “Catolicismo no Brasil” (1938) cujo o primeiro é sem sombra de dúvida um dos melhores escritos e esse respeito até hoje, e junto com “A crise do mundo moderno“ (1941) constituem suas obras de maior importância.Franca não reconhece qualquer valor em toda cultura moderna, critica a matemática de Euler, a astronomia de Laplace, a ciência de Lavoisier, a filosofia de Rume e Kant e a literatura de Goethe e condena em bloco a revolução francesa. Isso porque para Franca, a noção de cultura só se torna clara quando relacionada à noção de civilização. Entre civilização e cultura vemos a diferença que existe entre o todo e a parte: não opomos as duas idéias, como adequadamente distintas e, menos ainda, antagônicas.Integramos uma na outra. A cultura representa numa civilização o elemento específico que lhe traz o homem, como o desenvolvimento de suas potencialidades e energias naturais. A civilização, conceito mais amplo, compreende, além disto, as influencias múltiplas e misteriosas que sobre a vida de uma comunidade como a terra e a raça.
Assim cultura seria a contribuição humana no processo civilizatório, que se faz através de uma concepção da vida e de suas finalidades, na qual se encontra quase sempre a ação dominante de uma personalidade excepcional. Em torno de seus ideais forma-se um núcleo de expansão transformadora, o escol, que não é simples grupo de pensadores, isolado na torre de marfim com suas cogitações, mas sim a alma da massa, que penetra em toda sua extensão e vive em continuidade com ela e a transforma como um fermento. A esse escol vão se fazendo adesões e com o passar dos tempos as instituições se modelam segundo aqueles ideais. Assim uma concepção do homem e de seus destinos consegue descer às multidões e ser a espinha dorsal de uma civilização. Para Franca embora as idéias representem um fator de destaque no processo civilizatório, esse papel não se torna fundamental. Mas o fator místico:

...a filosofia,enquanto permanece na sua esfera própria e se dirige às inteligências pelos seus próprios métodos específicos de demonstração racional, é pouco menos que estéril. Só a religião possui o segredo de levar as mais altas concepções à consciência das massas e transforma-las em ação e vida social arvoram-se em religiões e procuram decalcar os seus processos de organização e propaganda pelas formas naturais da vida religiosa. O budismo oferece-nos, na antiguidade oriental, um exemplo desta metamorfose de uma filosofia,que, descendo ao povo, se faz religião. Em nossos dias, o comunismo,aspirando a plasmar uma nova ordem de coisas, criou ao lado de um sistema de idéias - bem pobres - uma “mística” dinamizadora das energias emotivas. É uma confirmação involuntária e, por isso mesmo, mais persuasiva,do papel primordial e insubstituível da religião na vida concreta e palpitante dos povos. (FRANCA p.43, 1942).

Daí, a pouca autonomia do saber filosófico, pois:

...todo o progresso material resolveu-se incapaz de satisfazer às exigências profundas da nossa natureza. É a lição mais trágica que nos dá o mundo contemporâneo, inquieto e convulsionado. Em face do aperfeiçoamento maravilhoso dos meios esquecemos o fim. E nesta subversão metafísica de valores manifesta-se um dos sintomas mais alarmantes de decadência... Urge, pois, restituir à nossa civilização periclitante as forças interiores que asseguram a todo esforço social a sua vitalidade. A secularização de uma cultura é sintoma de dissolução e prenúncio de morte. Só um dinamismo espiritual lhe salva a vida e conserva o equilíbrio de todos os seus elementos.
Mas esta revitalização profunda de uma civilização abalada em seus fundamentos não será o efeito de meias verdades ou de paliativos ineficazes. Não basta o apelo vago à dignidade do homem ou aos valores do espírito. O verbalismo generoso não consegue insuflar calor e força regeneradora a sonoridades vazias sem conteúdo real. Cumpre reintegrar o homem na plenitude das riquezas de sua natureza e para isto colocá-lo em cheio na orientação de seus destinos transcendentes. Se outras fontes de verdade não no-lo ensinassem com certeza inabalável aí está a experiência dos séculos, com o peso de seu testemunho universal, para nos dizer que os tesouros da própria vida natural do homem não se podem salvar nem defender sem a participação plena da vida sobrenatural. A humanidade, na economia presente da Providência, ou eleva-se com uma opção decisiva à altura de sua vocação transcendente ou, fechando-se sobre si num egoísmo soberbo e estéril, cai irremediavelmente abaixo de sua dignidade. (FRANCA, p.265-266, 1942).

Com igual ímpeto surge no panorama do neotomismo brasileiro contemporâneo a Leonel Franca a figura de Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995).
Corrêa de Oliveira não se definia como filósofo, mas como pensador. Ele não se atinha aos aspectos puramente técnicos das questões doutrinárias, mas os tratava de um modo vivo e variado. Partindo de uma observação muito fina da realidade, da psicologia humana, dos fatos, bem como de um profundo conhecimento histórico, ele analisava a cena contemporânea ao mesmo tempo em dois aspectos de um ponto de vista muito próximo (os fatos) e muito alto (uma visão dos fins últimos do homem, da sociedade e da História).
Nesse sentido ele escapa de todos os padrões e de todas as escolas de pensamento. Não se trata de ecletismo, de uma mistura de escolas, mas de uma elaboração própria à partir desse mirante (visão geral) iluminando e guiando uma análise de psicologia social, sociológica, histórica e mesmo teológica dos acontecimentos.
A síntese de seu pensamento, o arcabouço, encontra-se em Revolução e Contra-Revolução, sobretudo na I, II partes, onde ele explica o fenômeno revolucionário, em seus traços históricos fundamentais e em seu mecanismo psicológico e moral na alma humana. E a Contra-Revolução com seu mecanismo próprio.
Embora vários dos temas e teses da “Revolução e Contra Revolução” tenham sido tratados por outros autores, nenhum chegou a uma síntese tão completa e tão profunda, a uma visão de conjunto tão abarcante.
Embora se possa ver reflexos, em seu pensamento, dos grandes pensadores católicos como Santo Agostinho e Bossuet (filosofia da História) Santo Tomás de Aquino (concepções gerais, vocabulário e instrumental), dos autores tradicionalistas como Joseph de Maistre (em sua crítica ao igualitarismo), Donoso Cortes, etc., não se pode dizer que ele se baseou nestes autores. Isto porque o processo mental de Corrêa de Oliveira não era um processo mental acadêmico, a partir do estudo das teorias dos grandes pensadores. Seu processo mental, seu modo de estudar era muito brasileiro, muito intuitivo, com essa capacidade do brasileiro de fazer conexões, de passar de um campo do saber para outro, mas sobretudo de captar a teoria nos fatos vivos, na observação do que se passa agora e nos fatos da História.
Nesse sentido, Corrêa de Oliveira foi talvez o mais brasileiro dos pensadores, o que levou mais longe esse misterioso “intuicionismo” brasileiro que dá como que, num flash, uma certa compreensão profunda das coisas que precede e guia a reflexão e o estudo.
Brasileiro e original também pela facilidade de aplicar os princípios mais profundos da Teologia, da Filosofia e demais ciências do espírito, aos fatos concretos, à atividade política, aos problemas sociais e econômicos. Nesse sentido os “Manifestos” que escreveu a vida inteira, os livros polêmicos como “Reforma Agrária Questão de Consciência” e outros do gênero, a análise de complicadas manobras político-psicológicas como a “Baldeação ideológica Inadvertida e Diálogo” ou político-morais como “A liberdade da Igreja no Estado comunista.”
Um pensamento vivo, abarcante, rico em aspectos, inclusive literários. Mas um pensamento sobretudo combativo: o contrário de um saber diletante (por puro gosto pessoal) ou acadêmico (como uma carreira), mas um saber empenhado em intervir nos acontecimentos e em preservar os valores nacionais.
Declara-se tomista convicto, com particular atenção voltada a filosofia da história, em função da qual o ilustre pensador divide sua vida em estudo e ação. (CATOLICISMO; p.3, 1996)
Então, a atuação de Plínio Corrêa de Oliveira como pesador deve ser entendida pela difusão doutrinária e pela polêmica. A base dos dois tipos de escritos do pensador é sua obra essencial “Revolução e Contra-Revolução”, cujo ponto central é a noção de que as grandes transformações históricas resultam da atitude do espírito humana perante a religião e a filosofia. (CORRÊA DE OLIVEIRA; 1982). A palavra revolução, que originariamente é um termo proveniente da astronomia usado para indicar o movimento celeste dos astros, ganhou novo significado no século XVII, depois da revolução francesa, que passou a ser o arquétipo de todas as revoluções. Tema fundamental do pensamento político, a revolução é a palavra chave para entender a nossa época, e a análise da idéia de revolução é um dos principais temas de filosofia, pois principalmente no século XX as guerras e revoluções foram o principal fator de mudanças. Mas não é só uma revolução no sentido de uma guerra de que trata Plínio Corrêa de Oliveira mas a revolução dos espíritos, a revolução da mentes. Para Corrêa de Oliveira, a revolução não indica a subversão de uma determinada ordem constituída e, portanto a revolução também não é uma reação face a uma realidade à qual se opõe. O conceito de revolução de Plínio Corrêa de Oliveira está mais ligado ao dos pensadores como Joseph de Maistre, Pierre de Clorevière, Louis de Bonald, Juan Donoso Cortês, Karl Ludwig van Haller, Cardeal Edouard Pie, Monsenhor Charles Fleppel e Monsenhor Henri Delassus. Também influenciam nessa concepção alguns documentos pontifícios do tempo de Pio IX e Pio X, bem como nos chamados ultramontano, adversários do liberalismo católico como Louis Veuillot, Santo Antônio Maria Clarete, Cardeal Henry Edward Mening e Frederick William Faber. O pensamento de todos esses autores foi re-elaborado por Correa de Oliveira com novo desenvolvimento que faz do autor o autentico mestre de escola filosófica no século XX. Então dai a revolução é entendida como um processo, considerado no seu conjunto e também nos seus principais episódios, é vista pelo pensador brasileiro como o desenvolvimento por etapas, e através de contínuas metamorfoses, de algumas tendências desregradas do homem ocidental e cristão e dos erros que estas fomentam. Para Corrêa de Oliveira a mola propulsora desse processo esta no orgulho e na sensualidade. O orgulho leva o ódio a qualquer superioridade e, pois a afirmação de que a desigualdade é em si mesma em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísicos a religioso um mal. Por outro lado a sensualidade de si, tende a derrubar todas as barreiras, não aceita freios e leva à revolta contra qualquer autoridade e qualquer lei.
Estes dois aspectos da revolução têm em última análise um caráter metafísico que se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico, em que a humanidade evoluída e emancipada, vive em uma ordem profunda sem uma autoridade política numa liberdade total e sem qualquer desigualdade.
Na década de trinta Corrêa de Oliveira ataca fortemente o nazismo e o comunismo (O LEGIONÁRIO, nº 241, 1937; nº 296, 1938), denunciando a conexão entre os dois regimes totalitários e depois da segunda guerra mundial, se choca violentamente com o pensamento marxista que começava a entrar no Brasil.Esse embate durou até sua morte em 1995, passando por momentos decisivos para o Brasil, como o golpe militar de 64.
Atacando os liberais católicos por um lado e os marxistas por outro, Plínio Corrêa de Oliveira teve seu nome banido dos meios católicos e fortemente caluniado pelos setores de esquerda da política nacional.
Não obstante, foi reconhecido como pensador de profundo conhecimento filosófico, histórico e sociológico, e eco fidelíssimo de todos os documentos do supremo magistério da igreja. (CARD. PIZZARDO, apud, Corrêa de Oliveira; p. 4, 1964).
Em maio de 2007, a CIA, Agência Central de Informação dos EUA, publicou seus arquivos secretos, nos quais constatam a importância de Corrêa de Oliveira, na luta contra o comunismo no Brasil e na América latina. (CATOLICISMO, outubro, 2007).
Paralelamente a atuação do neotomismo de Leonel Franca de Plínio Corrêa de Oliveira e tantos outros, surgia 1934 na capital paulista a Universidade de São Paulo com sua faculdade de filosofia, ciências e letras, com a dupla finalidade de desenvolvimento da cultura filosófica e científica e de formação de professores secundários. Na USP a formação filosófica se dava com forte influência européia e principalmente francesa, o que lhe valeu posteriormente a alcunha de “um departamento francês de ultramar” (ARANTES, 1994)
Da USP é que vai surgir uma filosofia mais estruturada. Na concepção uspiana a filosofia é antes de tudo explicação e discurso, e a verdade se confunde com a procura da verdade. Podemos dizer que a USP trouxe à filosofia brasileira a consciência na realidade de um pensamento mais bem estruturado, seus frutos se traduzem na formação de professores técnicos em filosofia mas com a preocupação central voltada para o ambiente da universidade sem corresponder as necessidades e realidades da sociedade que a sustenta e um ambiente estritamente acadêmico. Mas tem o seu lugar garantido na história da filosofia brasileira pois produziu nomes como Paulo Arantes; Marilena Chauí; Fernando Henrique Cardoso; Jose Arthur Gianott e muitos outros. Também correndo por fora da raia neotomista surgem dois intelectuais que merecem destaque. São eles: Mário Ferreira dos Santos e Olavo de Carvalho.
Mario Ferreira dos Santos (1907-1968) foi um pensador que manteve uma completa independência da participação política e literária de seu tempo. Dedicou sua vida silenciosamente com magistério particular a advocacia e ao ramo editorial. Por volta de 1945 começa a publicar seus livros e, contra a opinião geral daqueles que achavam que as obras de filosofia não poderiam surgir nem alcançar a apreciação do público brasileiro, Mário Ferreira dos Santos empreende a publicação de uma imensa obra a “Enciclopédia de ciência filosóficas a sociais” que abrange 45 volumes, dedicadas ao estudo de caráter teoréticos e histórico-crítico. Suas obras nunca foram divulgadas e o filósofo nunca ocupou nem um cargo em nenhuma escola ou faculdade. Apesar dessa sua discrição, o interesse por suas obras alcançou interesse considerável e até hoje são muito procuradas e apreciadas.
A posição de Mario Ferreira dos Santos a respeito da filosofia é justamente contrária a daqueles que acham que a filosofia brasileira e incipiente por não estar vinculada ao desenvolvimento histórico e filosófico europeu.Para ele o fato de nós, brasileiros por vivermos materialmente o universo humano e, por não termos compromisso histórico que pesem demasiadamente sobre os nossos ombros, nem tão pouco compromissos filosóficos, somos um povo apto para uma filosofia de caráter ecumênico, uma verdadeira filosofia, pura tal qual foi concebida em sua origem. Para ele a única autoridade na filosofia é a demonstração, que deve ser apodítica, e, se possível, com juízos necessários e exclusivos, o que ele chama de “filosofia concreta”. Mario Ferreira dos Santos traz uma posição muito interessante a respeito de nossa relação com o pensamento universal: “podemos viver universal, no sentido puramente quantitativo, os modos de ver e de sentir dos diversos povos, mas não podemos permanecer na situação de ser um povo que recebe todas as idéias de todas as partes, que não pode encontrar um caminho para si mesmo...” (Ladusâns; p.416 1976.)
Assim sua filosofia considera todas as correntes filosóficas no sentido de que toda reflexão filosófica atual é a restauração ou o resurgimento de velhos erros refutados já séculos, que são considerados como extraordinárias inovações por aqueles que não conhecem a tradição filosófica. Sua obra é um esforço de síntese de toda essa tradição, mas de uma forma simples, traduzidas em livros destinados a alcançar as grandes massas populares, pois só assim a filosofia poderia colaborar para humanizar a civilização contribuindo para tornar evidente o valor da pessoa humana e para alcançar a paz interior e a felicidade do homem.
Olavo de Carvalho (1947) é um filósofo em plena atividade, e, portanto sua história ainda não está acabada. Ex-comunista, Carvalho, chegou a freqüentar três anos da Faculdade de Filosofia da PUC, até abandonar o curso e se tornar autodidata.
O primeiro livro foi publicado em 1980 e chama-se “A imagem do homem na astrologia, um livro sobre astrologia”. Em 1996, publica o livro que o torna conhecido, “O imbecil coletivo: atualidades inculturais brasileiras”, dedicado a critica do meio intelectual brasileiro, escrevendo também vários artigos a esse respeito que podem ser encontrados em seu web site. Escreveu em vários jornais e revistas de renome como “Bravo!”, “Primeira Leitura”, “O Globo”, “Época” e “Zero Hora”, “Jornal do Brasil” e “Diário do Comércio”. Em 2002, lançou, com o apoio financeiro da Associação Comercial de São Paulo, o site de notícias conservador “Mídia Sem Máscara”. Desde 2006 reside nos EUA.
A principal característica do pensamento de Carvalho é a defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia científica, ideologias aqui entendidas, na obra do autor, entre outras como o positivismo, cientificismo, evolucionismo, comunismo e socialismo. Considera que há um vínculo indissolúvel entre a objetividade do conhecimento e a autonomia da consciência individual. Crítica fortemente a concepção dos intelectuais que se arvoram como instância quase que exclusiva do conhecimento válido.
Para Carvalho as religiões tradicionais como taoísmo, judaísmo, cristianismo e islamismo, seriam um refúgio para a consciência individual contra a alienação.
Nesse contexto, procura identificar novas formas de interpretação para os símbolos e ritos daquelas tradições espirituais no sentido de fazer delas um sistema de pensamento filosófico e científico, que pode ser usado na resolução dos problemas hodiernos da cultura e da civilização.
Sua obra de maior fôlego é “O Jardim das Aflições - De Epicuro à Ressurreição de César: Ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil”, na qual estabelece uma relação de princípios entre Epicurismo e Marxismo.
Grande divulgador do pensamento e da cultura Carvalho coordena a edição e a reedição de varias obras como a Biblioteca de Filosofia da Editora Record; “Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux”, pela Editora Topbooks, tendo escrito vários prefácios, posfácios, anotações e introduções a obras de pensadores e intelectuais diversos, José Osvaldo de Meira Penna, Constantin Noica, Alain Peyrefitte, Jean-François Revel, Eugen Rosenstock-Huessy, Mário Ferreira dos Santos e outros.
Seu pensamento não está voltado para a tradição filosófica, mas para as questões atuais, principalmente as que se referem ao Brasil.
A critica de Carvalho passa por considerações sobre a academia e elite intelectual brasileira, abortando nomes como Marilena Chauí e Emir Sader, denunciando a atuação desses intelectuais que redundam no aparelhamento e patrulhamento ideológico, imposturas acadêmicas e falácias intelectuais, e o fato deles e seus seguidores levarem em consideração exclusiva as massas, o materialismo e o culto ao Estado, em detrimento do indivíduo e da liberdade de consciência. Passa também pela critica dos movimentos políticos de esquerda, do Socialismo, dos movimentos sociais e das organizações globais, entidades como a Fundação Ford, a Fundação Rockefeller, o Council of Foreign Relations, o Fórum Social Mundial e a Indymedia e indivíduos como George Soros e Al Gore e, no Brasil, o Foro de São Paulo, a CNBB, o MST e o Partido dos Trabalhadores, entre outros, e atualmente tem estudado o movimento abortista e o ativismo gay no Brasil, que estaria, segundo o autor, integrados a movimentos de internacionalização e revolução cultural com o objetivo de massificação de desvalores materialistas.
Por este brevíssimo retrospecto da filosofia entre o século XIX e XX podemos observar que nossos pensadores estão afinados com nossos problemas e também com o mundo contemporâneo com uma atuação vigorosa e impactante. Farias Brito restaura a necessidade de uma visão transcendental da realidade, sem a qual não pode haver filosofia, uma vez que a filosofia não é a ciência propriamente dita, que estuda as causas próximas.Por estudar as causas primeiras, Farias Brito sentiu a necessidade de atentar para o que é transcendente. Inspirou e deu forças a correntes filosóficas mais ligadas ao catolicismo a ressaltar esse aspecto. No seio do próprio catolicismo surge Plínio Corrêa de Oliveira receptáculo de toda tradição católica que desfere golpes incisivos contra os regimes totalitários e suas filosofias, bem como o ataque preciso as correntes de infiltração imanentista do catolicismo moderno, em suas respectivas correntes filosóficas. Mario Ferreira dos santos propõe uma obra filosófica de síntese acessível às massas com a finalidade de distinguir a reedição de vários erros filosóficos e de procurar um caminho autêntico para uma filosofia brasileira, e Olavo de Carvalho se insere na análise das questões mais atuais da sociedade contemporânea desvendando os seus mecanismos totalitários de manipulação do indivíduo.
Esses quatro pensadores, não se inserem de maneira alguma no conceito acadêmico de filosofia, mas são autênticos pensadores que constituem pelo menos a nossa história da filosofia. Não estudá-los é ignorar parte dos problemas o que o povo brasileiro tenha se deparado nesses dois últimos séculos, para procurar as respostas em pensamentos importados e alienígenas, é no problema desse pensamento importado que deveremos tratar logo a seguir.


A INFLUÊNCIA DAS IDÉIAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL


Temos que dar conta neste capitulo de dois temas colocados pelo eminente professor João Cruz Costa em seu livro Contribuição à História das idéias no Brasil. O primeiro é que a educação da Companhia de Jesus procurou formar muito mais um homem cristão, do que latino (COSTA; p. 36, 1945) a segunda, essa educação nos aleijou do progresso cientifico e filosófico europeu. (COSTA; p 35, 1956).
Não parece ser este o caminho do Brasil. O que precisa ficar claro em nossa argumentação, é que, a influência de idéias estrangeiras no Brasil e a atual e formação acadêmica excessivamente crítica, no mau sentido da palavra, desviam nossos olhos de um Brasil “real” que se encontra latente naquilo que passo a chamar de “modo de ser brasileiro.”
Esse modo de ser, explica em grande parte a “falta de originalidade” que apontam, com razão Cruz Costa, Hélio Jaguaribe, e quase todos os que se colocaram a pensar a filosofia no Brasil.
A nosso ver, tal critica se coloca por dois motivos. Em primeiro lugar a maioria da leitura técnica da filosofia, considera como digna de nota, somente a produção intelectual saída diretamente da tradição filosófica, mais especificamente, a tradição filosófica moderna e contemporânea. Em segundo lugar, por que nossos intelectuais, não conseguem ver mais o Brasil real, dado a influência das filosofias alienígenas que aqui vieram se instalar, mais especificamente o positivismo e o marxismo.
Episódios da libertação dos escravos, da queda da monarquia, e da economia brasileira fora da matriz da revolução industrial, são completamente ininteligíveis para nossos intelectuais, se não forem consideradas a partir de uma visão de mundo moderna, e hoje em dia, sob a ótica marxista.
Nos Estados Unidos a luta entre 11 estados do sul aristocrático e agrário contra e os estados do norte industrializado, dedicado a estilos mais modernos de vida, e a questão de um modelo baseado na mão de obra livre ao invés da mão de obra escrava, chamada Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão, ocorrida entre 1861 e 1865, foi uma carnificina que matou 970 mil pessoas, 3% da população americana da época.
No Brasil, em 28 de setembro de 1871, votava-se no senado a Lei do ventre livre. Quando se verificou, pela votação, a vitória do Visconde do Rio Branco, que defendia a aprovação da lei, o povo que enchia as galerias irrompeu em manifestação ao grande estadista, lançando-lhe sobre a cabeça braçadas de rosas. Terminada a sessão, o embaixador dos estados Unidos, James Rudolph Partridge, ao se dirigir aos senadores pegou algumas daquelas flores e disse; “Vou mandar estas flores ao meu país, para mostrar como aqui se fez, deste modo, uma lei que lá custou tanto sangue!”. A abolição ocorrida a 13 de maio de 1888, também ocorreu em clima de festividades e não de rebelião. (XAVIER; p. 84, 1991).
Também a instauração do regime republicano no país, derrubando a Monarquia, que ocorreu no dia 15 de novembro de 1889 no Rio de Janeiro, foi uma proclamação e não uma guerra cívil, e o próprio imperador proibiu reações armadas, e saiu do pais sem levar nenhum dinheiro dos cofres públicos que lhe eram oferecidos pela junta republicana.
Para a nova intelectualidade brasileira, esses fatos nada revelam. Mas vivem a nos lembrar do golpe de 68 e no nosso “triste passado colonial”. Para eles também nada significa que em 2007 o agronegócio tenha representado 23,07%, (Inesc, 2008) e que nosso programa de bio combustíveis tenha sido elogiado por Obama, candidato ao governo dos EUA. (GARCEZ, 2007), para eles, esses fatos em nada inserem o Brasil como potência na comunidade internacional.
Para a intelectualidade brasileira, esse “conteúdo espiritual”, essas soluções, esse modo de ser, nada significa! Assim como nada significou a grande obra missionária jesuítica para a defesa dos índios (MADUREIRA; v. I, 16-90, 1927).
Desse modo, preferem adotar importações, que nos dão uma visão acabada do mundo, e não trabalhar em um “mundo” a construir.
Vieira de Mello (p.27; 1980) em seu livro, Desenvolvimento e Cultura, mencionava importantes aspectos relacionados ao problema da influência das idéias estrangeiras na cultura brasileira. Seu primeiro capítulo começa por colocar a concepção de subdesenvolvimento, fortemente difundida no Brasil dos anos 70 e 80, que ressalta a situação do país, dependente econômica e culturalmente do exterior, de modo especial dos paises do chamado primeiro mundo. À idéia de subdesenvolvimento, se opõe a concepção das gerações passadas, que possuíam o sentimento de serem uma nação nova, inexperiente e, portanto com um pequeno ativo de realizações. Esta simples mudança de ênfase gera uma mudança de expectativa por parte da população. A noção de um país novo é entendida como mais natural e coerente, e gera sentimentos otimistas, a aspiração de criar as bases de sua emancipação econômica e espiritual, ao passo que a idéia de subdesenvolvimento, suscita a impaciência, irritação e revolta.
A história da infiltração de idéias estrangeiras na cultura nacional não começa no século XX, mas é um fenômeno que se torna evidente a partir da vinda da família real para o Brasil. Logo os trajes utilizados na capital do Império se tornaram semelhantes aos usados na Europa, apesar do clima quente e úmido, dominavam a cartola, o chapéu côco e casacos.
A influencia filosófica mais marcante no Brasil, foi também a francesa, sob a égide do positivismo de Augusto Comte. Os principais frutos dessa filosofia foi a Abolição e a República, duas conquistas de vulto do positivismo, como doutrina social. Sem Benjamin Constant e seus discípulos positivistas a República não se teria proclamado em 15 de novembro de 1889, nem se teria mantido, pois foram os adeptos de Comte, civis e militares, as principais bases de Floriano Peixoto.
Também as instituições originadas com a República, como as primeiras constituições, a separação entre a Igreja e o Estado, liberdade religiosa; a liberdade de imprensa, a liberdade de cátedra, a liberdade de reunião, a liberdade de greve, a condenação de qualquer discriminação racial, a proteção aos silvícolas são características do movimento positivista.
Filosoficamente, o positivismo prega que não podemos conhecer nada além dos fenômenos sensíveis e suas leis. Tudo é relativo. O ser e o ser corporal são para a nossa razão uma mesma coisa, e, em nós, não há nenhuma faculdade espiritual capaz de conhecer um objeto espiritual. Toda a especulação filosófica então seria obra da imaginação, sobre aos fatos, observáveis, mensuráveis e sensíveis, e suas leis observáveis. Quer dizer que por sua natureza, o homem está condenado a ignorar tudo o que ultrapassa a ordem empírica. Qualquer investigação que pretenda elevar-se acima de fatos, indagando-lhes a origem, o fim e as causas, está condenada ao fracasso. O homem só conhece o positivo, quer dizer, o sensível. É a negação da filosofia que é assimilada pela ciência.
O surgimento da USP que se deu em torno da faculdade de Filosofia Ciências e Letras, também se deu com fortíssima influência francesa. Durante aproximadamente quarenta anos, o departamento de Filosofia da USP teve professores franceses, pagos pelo menos em parte pelo governo da França e que ministravam parte de seus cursos em sua língua nativa. Entre eles estão os grandes nomes de Gilles-Gaston Granger, Claude Lefort, Gérard Lebrun, e Claude Lévi-Strauss.
Somente com a segunda guerra mundial é que a influencia francesa no Brasil, começa a enfraquecer até perder lugar para a influência americana e para a influência filosófica do marxismo.
Mas o real efeito da influência francesa no Brasil, foi a ruptura com a cultura, portuguesa, indígena, negra e jesuítica que vinha se desenvolvendo desde o inicio da colonização.
A influência americana no Brasil ganha contraste com a infiltração marxista, criando uma forma de ver a realidade nacional, polarizada entre esses dois extremos. Esse modo de ver falseou nossa visão de mundo, e se tornou predominante principalmente nos anos da guerra fria e do golpe militar de 64.
Já em 1937, Corrêa de Oliveira expressa essa polarização nos seguintes termos: “A nossa situação é esta: estamos aptos a ter um dos operariados mais católicos ou mais bolchevistas do mundo, dependendo tudo de quem tomar a dianteira, se os propagandistas de Deus e de sua Santa Igreja, se os de Satanás e da III Internacional.” (1937)
O problema que o pensador católico levanta, não é uma questão apenas da vitória de um grupo ou de um partido político. O marxismo é um conjunto de idéias, de conceitos, de teses, de teorias, de propostas de metodologia científica, de estratégia política e de concepção de mundo, da vida social e política, que constituem uma verdadeira doutrina. (BOBBIO, p.738, 1992)
Fica claro que o partido comunista é apenas uma ponta de uma filosofia muito mais ampla com características sectárias, travestida de movimentos sociais. Na verdade, é uma maneira de pensar de ser e de querer direcionadas através de uma estrutura ideológica-partidaria coesa, com fins muito bem determinados, e que portanto, tudo que pensado e feito sob a orientação marxista não tem uma relações de fins intrínsecos, mas extrínsecos. Quer dizer, todos os atos políticos por exemplo, visam a implantação da revolução, de acordo com as doutrinas marxistas, e não a solução de problemas reais. A realidade é substituída por um modo de ver e de sentir as coisas a maneira marxista.
Assim, o sistema marxista é o materialismo levado a suas últimas conseqüências. Só existe a matéria. O homem é pura matéria. Ao invés de Deus e da alma, uma força misteriosa impele esse universo material em um processo contínuo de evolução. Da matéria bruta, surgem as plantas e todos os animais, e também o homem, que um dia se transformará também, pelo processo evolutivo, em outro ser.
O ser é relativo, e assim também as idéias. Sendo assim a metafísica, a moral, o principio de contradição, os princípios de identidade e a verdade não existem. O homem cria a verdade, o bem é o que eu quero que o seja. Não há uma ordem natural que possa ser observada, portanto não há um direito natural nem autoridade que seja legitima.
O homem comunista é o homem “liberto” de todo modo de pensar cultural e tradicional estabelecido na história. O bem não está nas coisas mas no que contribui para meu bem estar subjetivo, verdade é o que me convém. Ora, a massa é a soma dos indivíduos, dos “eu” que a compõem, de tal maneira que, a expressão máxima do homem é a massa, o proletariado, a massa pobre dos trabalhadores que é o arbitro supremo do bem e da verdade. Espantosa aniquilação do ser e da individualidade.
Toda a noção de religião, autoridade, seja do representante da nação, dos pais, dos professores, dos patrões, a propriedade priva e as leis, são quimeras, e a moral, um preconceito burguês.
O homem não deve ter nenhuma preocupação religiosa ou moral. Sua única preocupação deve ser a luta para dar ao proletariado o domínio absoluto da sociedade e proporcionar a todos os seus semelhantes, reduzidos a condição de proletários, o bem estar material.
A força que impele esse processo brutal é a luta entre os opostos, a dialética. No universo, não há harmonia, mas uma desarmonia constitucional. Do choque entre os elementos opostos brota a síntese, uma harmonia momentânea, que logo encontrará outra oposição e que dará lugar a uma nova tese, da qual surgira uma antítese, que ira gerar pela composição das duas uma síntese, que será a nova tese, e assim, indefinidamente. O mesmo ocorre na história. A sociedade lentamente vai realizando suas oposições, a tese contraporia a antítese, daí resultaria uma síntese, cujo fim ultimo é o comunismo. O processo histórico é lento, mas pode ser acelerado pela luta de classes. A luta de classes se faz descobrindo os opostos (as contradições), para lançá-los um contra o outro. Assim através de uma interpretação do mundo completamente falseada, se joga os pobres contra os ricos, fazendeiros contra colonos, negros contra brancos, e assim em todos os seguimentos possíveis da sociedade.
O marxismo é uma completa degeneração da filosofia e da ciência, é uma inversão na ordem do ser. Para entender tal assertiva, temos que entender a evolução do pensamento filosófico desde a filosofia clássica grega.
Toda filosofia é a tentativa de explicação racional do mundo. Uma visão que busca entender as coisas como elas são. Mas a razão humana é fraca, e está sujeita ao erro, daí a necessidade de um gênio realmente profundo, penetrante, capaz de penetrar a realidade e conhecer sua estrutura. Na antiguidade grega, apareceram os primeiros filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, preocupados conhecer a realidade e descobrir a verdade – para eles, a filosofia – como define Aristóteles – é a ciência da verdade, isto é, um estudo sério, metódico, crítico, honesto e responsável da realidade metafísica, compreendida esta como tudo que esta além da matéria: meta-física. Lá surgiram pensadores não menos talentosos que se destacam pelo desprezo pela realidade objetiva, exterior ao investigador, estando eles mais preocupados em apresentar seu próprio pensamento, suas opiniões, suas idéias, isto é, mais o produto de sua imaginação intelectiva, que eles consideram como a única realidade: lucubrações mentais, talvez lógicas, mas desconexas com a realidade objetiva e exterior ao homem. Podemos dizer que se trata de um subjetivismo, no qual se pretende apresentar como um pensamento certo e digno de crédito, como uma espécie de certeza interior, mas que, do ponto de vista da honestidade intelectual e pela preocupação de conhecer a realidade, carece de instrumental e de seriedade.
Depois de Aristóteles, a filosofia grega entra em declínio, deixa de explicitar a realidade e como que, se volta para tudo o que já havia sido feito, primeiramente com uma preocupação ética, plasmada no estoicismo e no epicurismo, que retorna à metafísica naturalista dos pré-socráticos e de escolas socráticas menores como a cínica e cirenaica, caindo depois no ceticismo e no ecletismo, quando ocorre o desprezo de toda a metafísica e a anulação da moral, voltando-se para a sofística e para uma filosofia essencialmente prática e hedonista.
Com o advento do cristianismo, a filosofia se revigora. O inicio do evangelho de São João, anuncia aos filósofos que o λόγος, razão do ser do mundo, já não é mais inacessível ao intelecto, o λόγος se fez carne e habitou entre nós. Isso significa que a filosofia com características religiosas se encontra com uma religião capaz de filosofar. A filosofia é um saber que se dirige à inteligência e lhe diz o que são as coisas. A religião se dirige ao homem e lhe fala do seu destino, no caso do cristianismo, um destino que o homem deve fazer. Daí se entende que o cristianismo é uma religião intelectual por excelência, porque não só compromete o homem com o que lhe é mais humano, sua razão, seu intelecto, sua vontade, seu amor pela verdade, mas também com Cristo, que não é somente seu fundador, como também objeto de culto, o Deus-Homem, que se identifica com a verdade, a qual, por esta razão, é uma Verdade absoluta. Com a expansão do cristianismo pela exigência própria da evangelização se impõe com exigência de autenticidade uma filosofia natural, como base de uma nova filosofia, preocupada com o conhecimento da Verdade absoluta.
O esforço dos batizados para serem “bons cristãos”, isto é, para se comprometerem totalmente com a fé ensinada por Cristo, alia a teoria à prática, faz do cristão um homem reflexivo, pois comprometer-se completamente para eles significava não só levar uma vida de acordo coma moral cristã, mas também em concordar sua espiritualidade com a fé, isto é, sua razão, seu intelecto, sua vontade, seus sentimentos, suas paixões, deveriam estar empenhados, uma vez que para amar é preciso conhecer. Para desejar e amar a Deus é necessário conhece-lo, é preciso fazer um esforço intelectual para penetrar nos mistérios da fé. A fé do cristão tem que comprometer a razão, o intelecto, sem a qual se cai no “fidelísmo” uma acepção dos dogmas da fé sem o desejo de compreendê-los. Este fidelismo sempre foi condenado pela Igreja, que exige uma fé razoável, uma fé esclarecida pela razão, uma fé que comprometa o intelecto do crente. Um sentimentalismo religioso não satisfaz o cristão e, por isso, nasce a famosa fórmula, tão freqüentemente usada pelos filósofos cristãos: fides querens intellectum, intellectus querens fidem. A fé busca, exige, solicita o auxilio da razão e a razão também precisa da fé, porque sem a fé não é possível descobrir toda verdade. Por isso, nada contribuiu tanto para o desenvolvimento da cultura como o cristianismo e, portanto, também a cultura espiritual objetiva, enquanto esta é o efeito do desenvolvimento da pessoa. O cristianismo, sendo uma religião intelectual por excelência, desenvolve tanto a pessoa, como a cultura geral objetiva.
Então, a filosofia revitalizada pelo cristianismo, entra pela idade média e vai até o século XIV como uma philosophia perennis, que relaciona a verdade metafísica com o culto religioso da λόγος-Cristo. Mas com o renascimento, se restabelece a ligação com a cultura pagã grega, principalmente com aquelas correntes filosóficas decadentes, voltadas para difusão da “imagem” do mundo sem preocupação alguma se este pensamento é ou não sensato. Há a corrupção do pensamento filosófico, porque o pensador livre renascentista e pós-renascentista se sente “livre” das exigências da moral objetiva: da honestidade intelectual. Não somente deixa de lado a preocupação com a verdade, mas lançam com frivolidade mentiras, apresentando-as como verdades.
Surge então o racionalismo como expressão filosófica que, freqüentemente, só apresenta a preocupação pela razão como tal, além de voltar o pensamento para um antropocentrismo hermético.
O cristianismo é debilitado pela ruptura feita pelo protestantismo e perde a força para impedir a reaparição, cada vez mais forte, das diversas correntes do antigo paganismo, que vai penetrando nos costumes dos povos reavivando as correntes imanentistas e panteístas da filosofia.
O nominalismo surge como um pensamento original, mas causa estragados e desvios profundos na filosofia, que duram até hoje. O nominalismo reforçou o subjetivismo, desviando-se novamente da realidade e da verdade objetiva, já que é oposto ao pensamento realista. Kant, Fichte e Hegel introduzem na especulação filosófica a ambigüidade enquanto a possibilidade de conhecer a realidade divina e realidade humana concreta. A filosofia alemã do século XIX herda de Kant a convicção de que o sujeito ordena a realidade exterior que será, que é, sem ele uma espécie de caos, diríamos um não-ser. Kant não fez mais do que reforçar ou sistematizar uma tendência em voga desde Descartes que consiste em negar, a possibilidade da inteligência para conhecer.
Aberto o caminho subjetivista, pensadores como Rousseau, despreocupados com a realidade objetiva, constroem suas reflexões baseadas no individuo e em hipóteses indemonstráveis e contraditórias como a do bom selvagem e de um estado de natureza imaginário, que nega a sociabilidade natural do homem. Para ele, o homem é, por si mesmo, um todo perfeito solitário (l’individu est par lui-même um tout parfait et solitaire), isto é, que pode prescindir da sociedade e da convivência com os demais. Não há a adaequatio rei et intellectus.
Voltaire (1694 -1778) chega a ser um mestre para os pensadores idealistas, influenciados pela sua “filosofia” frívola e libertina. Fichte, influenciado pelos acontecimentos da Revolução francesa, introduz a revolução como um tema obrigatório no currículo filosófico. A idéia de progresso de Condorcet e de Comte, vinculada com a de mudança e aplicada na sociedade como uma realidade concreta, estudada na sociologia, permite que a revolução, algo que acontecia apenas no âmbito político e histórico, tome novas dimensões filosófico-sociológicas, inclusive teológicas.
Com pensamento idealista de Hegel (1770-1831), o imanentismo e o panteísmo com temática religiosa Bíblica, secularizam a religião cristã, reduzindo-a a uma pseudofilosofia. Sua filosofia da história é apresentada dentro de uma dinâmica dialética, na qual a Trindade é reduzida a um permanente processo dialético de sucessivas teses, antíteses e sínteses, na qual a idéia se realiza alienando-se. Assim, a história deixa de ser um fenômeno próprio da humanidade, ocupando o primeiro lugar no mundo idealista de Hegel. Sendo segundo Hegel, todo o racional real, e todo o real racional, justificando-se assim tanto as posições realistas como idealistas. Seu subjetivismo imanentista e auto-suficiente, que também pode ser entendido como panteísta, encerrando o Espírito absoluto na consciência e talvez o identificando com Deus, o que por sua vez é identificado com o “mundo” permite dar a história um sentido novo, confundindo-a com um Deus panteísta. Assim na cosmovisão de Hegel, o protagonista dos acontecimentos já não é Deus, nem o homem, mas sim a História como um permanente vir a ser, que arrasta consigo o homem e limita Deus na consciência humana. Vê-se que é construção puramente intelectual e hermética, mas não filosofia em seu sentido pleno. Feuerbach adapta o pensamento de Hegel, colocando a meteria no lugar da idéia - Espírito e assim o processo dialético da história toma um caráter puramente materialista e mecanicista. Karl Marx (1818-1883) cria uma síntese destas idéias apresentando seu “materialismo histórico” e seu “materialismo dialético”, ambos completamente “idealistas” e, por tanto, arbitrários e gratuitos. Sem embargo, é precisamente Marx quem introduz conceitos novos na filosofia, afirmando que a revolução consiste na “inversão de todas as relações, inverte as relações pondo o homem no lugar de Deus, a mentira no lugar da verdade, o ódio no lugar do amor, a luta de classes no lugar da convivência fraternal, etc. Assim a filosofia se desvia de seu objeto e de seu fim, se corrompe e se perverte, apresenta apenas um rigor semântico, e ganha uma projeção universal, pois se propaga através de slogans, mas se torna um emaranhado de idéias contraditórias, quase intransponível para espíritos que embora com algum rigor intelectual, não dispõe de uma visão aguçada das realidades mas apresentam uma erudição venenosa, eivada desses “princípios” subjetivistas que acabamos de expor.
Como fruto dessa pseudo filosofia, tivemos no Brasil a partir da década de 60 uma forte influência do pensamento desenvolvimentista.
O desenvolvimentismo no campo teórico pratico é a consciência de que somos um pais de passado colonialista, subdesenvolvido e que necessita superar essa condição. A idéia assim expressa no senso comum é inatacável. Qualquer que vá contra tal idéia, terá muito trabalho para demonstrar o contrário, ao passo que o simples enunciado do desenvolvimentismo se torna imediatamente “evidente” e aceitável a qualquer cidadão.
Aqui vemos aquela inversão na ordem do ser que comentamos mais atrás. A idéia do subdesenvolvimento, e do nosso passado colonial miserável, se tornou a idéia central em torno da qual todos os outros discursos e práticas sociais se agruparão. É à idéia, ao discurso que se dá importância, não a fatos reais. Assim, se prega o desenvolvimento, sem se empenhar ao desenvolvimento real.
A questão do abolicionismo que comentamos inicio desse capitulo é um exemplo notável dessa inversão.
Hoje, não festejamos a princesa Isabel mas Zumbi dos Palmares, por que, sob a linguagem positivista que defendia a abolição estavam expressos interesses de ordem econômica nacional e estrangeira, enquanto que Zumbi, esse sim tinha a real noção do que era ser escravo.
Bem esse conceito que também parece ser irrefutável, esconde uma outra noção, que é a “real” propulsora de todo esse mecanismo, que nos impede de pensar nossas realidades, a saber, a idéia marxista de consciência alienada.
Para Marx são cinco os tipos de alienação: alienação religiosa, filosófica, política, social e econômica, esta ultima a principal, fonte das outras quatro.
A consciência alienada seria, dentro desse contexto, o representar-se a si próprio como objeto sabendo que tem em outra consciência o seu sujeito. (VIEIRA DE MELLO; p. 50, 1980). Transposta para a dinâmica de pais subdesenvolvido/pais desenvolvido; colônia/metrópole, a consciência sujeito é a modalidade estrutural da metrópole e a consciência objeto é a modalidade encontrada na consciência de qualquer colônia.
Mas com qual finalidade é que se faz essa inversão?
Para transformar a sociedade, o marxismo necessita promover a luta de classes. No Brasil, depois do fracasso de Luiz Carlos Prestes, na implantação do comunismo, foi necessário abandonar o objetivo da luta de classes, como forma de transformação da sociedade, e substituí-la pela revolução cultural, uma revolução que atua no campo das idéias e dos costumes.
Assim, o verdadeiro escopo das idéias desenvolvimentista não é o desenvolvimento econômico do país, mas a implantação das “reformas progressistas”, pregadas pelo marxismo.
No período da guerra fria, a URSS acusava os EUA de exercer imperialismo econômico sobre as nações fracas e subdesenvolvidas, sem dizer também de seu próprio “imperialismo” totalitário sob nações igualmente fracas e subdesenvolvidas.
Como vemos tal ideologia filosófica esconde a realidade e faz nosso pensamento girar em torno de idéias descoladas de suas de suas essências.
O marxismo considera que toda a história da filosofia, da política, da religião se passaram na ignorância de verdades fundamentais, que são os interesses econômicos que se escondem por trás das idéias. Argumento demasiadamente ingênuo e simplista, que não pode revelar senão pontos acidentais de certos fatos. O marxismo desenvolve uma ciência nova, a ciência da revolução, com a finalidade de promover cientificamente a luta dos opostos, com a finalidade estratégica de revelar e destruir todos os obstáculos a uma sociedade igualitária. Sua tática consiste em fomentar apenas as ações que contribuem para destruir todas as classes e ordens estabelecidas que mais impedem o nivelamento total da sociedade.
Por isso não podemos ter orgulho da abolição oficial dos escravos, mas da luta para a libertação, assim, os bandidos, grupos criminosos que atuam nos presídios, na verdade, são heróis. Provenientes das camadas mais baixas da população, na verdade não são criminosos, são espoliados do sistema capitalista, seus atos são atos de libertação.
Platão já dizia na Republica, que após a democracia, viria necessariamente uma tirania que seria imposta ao povo, como garantia de seus direitos, ameaçados pela desordem das paixões desenfreadas.
Depois do divórcio, movimento gay, do MST, da liberação da maconha, em um momento qualquer do processo de revolução cultural, será necessário que as forças progressistas, travestidas de democráticas, expurgem seus amigos delinqüentes, agindo com força, entre aplausos da população, como aconteceu na revolução francesa com Robespierre, na revolução comunista para Lênin, no nacional socialismo, para Hitler, na revolução cultural de Mao Tse-tung e na revolução cubana de Fidel Castro.
Através dessas estratégias habilmente dissimuladas, a massa vai sendo desavisadamente preparada para vivenciar o advento da ditadura sangrenta como um consolo e uma libertação. O regime criminoso, como sempre aconteceu, será cimentado com o sangue dos criminosos. O marxismo não admite delinqüentes porque ele é o monopólio estatal da delinqüência. (Carvalho, 2006).
A expansão da criminalidade denunciada como estratégia revolucionaria por Olavo de Carvalho, foi anunciada em 1983 por Plínio Correa de Oliveira, em um artigo intitulado “Quatro dedos sujos e feios”, com impressionante precisão. (Folha de São Paulo, 16/11/1983)
Conhecer os fatos, demonstrar suas causas mais profundas, suas relações de causa e efeito, sua teleologia, isso é filosofia. A filosofia não é saber o que os pensadores pensaram, mas é a busca da verdade.
E esse aspecto da filosofia que tem sido descuidado nos ambientes intelectuais, em favor de determinadas análises cuja base, poucos, mesmo entre os meios acadêmicos são capazes de discernir.
Assim, o estudo da filosofia será, daqui em diante, cada vez mais necessário para a compreensão da realidade social e política, no Brasil e no Mundo, uma vez que a realidade hoje se mescla com o discurso sobre a realidade. Esse discurso, por ser intencional, visa a um fim fora da realidade, no sentido de se criar uma outra “realidade” ideal, que reside no imaginário individual e na opinião publica. O que se fala hoje em política e em direitos, esta fortemente imbuído de uma subjetividade.
Esse problema se desdobra para o plano ético, na mesma perspectiva de ruptura com o real.
Com a aparição das “Críticas” de Kant (1724-1804), toda a filosofia moderna vem defendendo mais ou menos explicitamente e por razões e sistemas muito diversos, a separação intransponível entre o mundo da metafísica e o mundo da moral, entre o plano especulativo e o prático, entre o ser e o dever ser, entre a realidade e o valor entre seus juízos correspondentes, quer dizer, há uma recusa de toda conexão entre o objeto axiológico e da ética e o da metafísica.
Kant colocou fora do alcance válido da inteligência especulativa o mundo noumênico ou das em si, em sua Crítica a razão pura, concluindo com um agnosticismo metafísico, em sua segunda Crítica tentou reabilitar de algum modo esta mesma realidade e a correspondente capacidade humana de capta-la por um caminho distinto da inteligência, e da Razão prática e vontade, dando valor para as coisas em si, não como objetos, mas como base indispensável de toda a atividade ética.
A realidade inalcançável e por sua vez inatacável pela via da razão especulativa, colocada além do âmbito de sua atividade válida, surgirá no domínio da moral como postulado não demonstrado, mas indispensável para seu exercício. Por um lado, colocou na ordem da Razão especulativa, a impossibilidade radical de elaborar uma metafísica; por outro, na ordem da Razão prática e da vontade, o mundo dos postulados éticos e os respectivos juízos de valor. Deste modo fica estabelecida de forma intransponível a separação entre a metafísica, impossível para a inteligência humana, e a ordem moral, que se impõe como um fato para a vontade pela “Razão prática” em um imperativo, cuja obrigação emerge a priori de elementos puramente formais dessa mesma razão, e a independência, desde seus mesmos fundamentos, entre a ordem ontológica e a ordem ética erguido sobre bases puramente formais, e entre ele e um mundo axiológico de valores. A separação da moral de seu fundamento metafísico é o patrimônio kantiano herdado e conservado pela filosofia moderna até nossos dias. A ordem de ser e do vir a ser tornaram-se incomunicáveis e expressam para a filosofia moderna um dualismo irredutível.
A partir de Franz Brentano, (1838-1917), com o redescobrimento da intencionalidade e da atividade espiritual, já a muito tempo tratado por Santo Tomás de Aquino (1395 -1455), a filosofia contemporânea se voltou tanto contra o positivismo e psicologismo do final do século XIX como também contra Kant e o idealismo transcendental. Sem embargo, não havia conseguido uma evasão definitiva do transcendentalismo, pois enquanto no plano gnosiológico não alcança a realidade, detendo-se no puro “objeto” vazio de “ser”, na moral, e em geral, na atividade prática, ainda em seus esforços por combate-lo é, todavia auxiliadora do pensamento kantiano.
Max Scheler (1874 -1928) e N. Hartmann (1882-1950), são dois pensadores que mais apropriadamente se destacaram em tratar o formalismo a priori da moral kantiana, mas sem superar sua dualidade.
A crítica que Marx Scheler dirige a Kant, e com ele toda escola axiológica contemporânea, se bem que seja válida não chega, porém a raiz do problema que arruína desde sua origem a moral do filósofo de Königsberg. Os valores introduzidos por Scheler em que se apóia toda a moral não são puramente formais, destituídos de conteúdo como o imperativo categórico de Kant, mas tampouco atingem o ser, não subjetivos apenas válidos universalmente e independentemente da subjetividade, mas não por via intelectual ou de objetos, senão pela via emotiva de simples validade. A atividade moral implica uma pessoa que captando esses valores os realiza ou destrói os vícios. O valor da moral consiste precisamente na realização de valores hedônicos, vitais, espirituais e religiosos, conforme a hierarquia em que nos são dados. Os valores passam do dever ser para o ser mediante a atividade moral da pessoa. Porém é preciso perceber que na filosofia de Scheler, o fundamento de toda atividade moral se apóia em valores e em uma pessoa destituída de ser. Deste modo semelhante esforço inicialmente bem orientado do filósofo fazia uma articulação da moral na realidade, mas, reincide na moral kantiana que combate, a causa da separação do valor e do ser. Ambos os sistemas, antagônicos entre si, convivem em definitivo no que a moral carece de raízes em seu ser, e se ligam nas formas a priori subjetivas, em um caso, nos valores materiais ou de conteúdo puramente não-lógicos ou não-metafísicos em outro.
Há no sistema dos dois filósofos uma recusa de bases já formuladas por seus predecessores na tradição como Santo Tomás. Há um hiato que distingue radicalmente as duas filosofias, e que impede a solução dos problemas e o avanço posterior da discussão filosófica do tema, que consiste no seguinte: São Tomás inserindo a ordem moral no ser sob seu aspecto de bem, pode dar uma base metafísica e intelectual de que irremediavelmente carece Scheler, precisamente por não haver superado o dualismo metafísico moral de Kant. Tal questão merece ser estuda, por você que está lendo agora estas notas. È preciso refletir na influência enorme que Kant exerce em nossas universidades e em toda a nossa discussão a respeito da moral, e lançar um olhar para o que foi “esquecido” ao longo dos séculos, como se nunca houvesse existido com as conseqüências desastrosas para a moral.
O paradoxo é que com esta separação aberta entre a moral e a metafísica se pretende, a partir do mesmo Kant, levantar o edifício moral sobre bases mais sólidas, postas protegidas de todo ataque dirigido contra a metafísica seu objeto e o valor da inteligência. E com estas intenções temos a impressão que se procura por diversos caminhos substituir a moral de fundamento metafísico por outra de base formal ou puramente axiológica, uma moral heterônoma cujas raízes se inserem e se alimentam do ser e, em última instância, do Ser absoluto transcendente ao homem, por uma moral autônoma, que emergindo e nutrindo-se nas últimas exigências práticas da vontade, quando não da emotividade ou sensibilidade, vale hic et nunc para o homem, independentemente de todo valor real absoluto.
Subjacente à moral axiológica contemporânea está a conjunção de dois princípios a saber: o agnosticismo metafísico, nem sempre confessado, e, um esforço para dar bases incontestáveis a moral, que leva – que gera o agnosticismo – e busca por todos o meios possíveis uma fundamentação a-metafísica da ética. E neste agnosticismo metafísico que da origem, conforme o caso, a uma fundamentação quer formalista quer axiológica da ética, nós sempre tropeçamos com o sistema de Kant.
Porém a realidade é outra. As coisas não são nem acontecem como os filósofos querem e dizem, senão simplesmente como são. Já a verdade, semelhante a moral desvinculada da ordem metafísica e posta, segundo seus representantes, ao abrigo de todo ataque da razão, desde que renuncie a sustentar-se na ordem especulativa, está destituída, ipso facto de todo apoio ontológico e de toda a correspondente justificação intelectual e privada por isso mesmo da única fundamentação objetiva possível, uma vez que no âmbito da moral, como em qualquer setor filosófico, uma verdade ou um sistema de verdades ou se demonstra pela inteligência justificando-se perante ela ontologicamente, quer dizer, como objeto-ser, como algo que se imponha pela evidência, ou não se justifica ao todo. O objeto da filosofia compreende todas as ordens da realidade, mas a própria filosofia como disciplina ou é racional ou fica exposta a todas as arbitrariedades e desvarios subjetivos sem possibilidade de crítica, e então já não é filosofia. A inteligência é para o homem a única porta que dá acesso imediato à verdade. Renunciar a ela e buscar por outros caminhos essa verdade, na realidade não é senão cegar a única fonte de luz que possui. Agora então, se toda justificação possível da ordem moral deve se realizar pela via intelectual e se toda atividade da inteligência se apóia e recebe seu valor do ser e, em última análise, do Ser absoluto de Deus, toda fundamentação da moral deve ser por isso mesmo ontológica, metafísica.
Este é o problema central, da moral, que é análogo e solidário ao problema fundamental do conhecimento. Assim como no plano especulativo se aborda o problema gnosiológico acerca do alcance e valor objetivo do conhecimento, assim no plano da atividade prática coloca-se o problema moral de saber se a atividade humana esta ou não sustentada e regulada por exigências ontológicas.Trata-se com efeito de saber, em geral, se a atividade humana se desenvolve no seio de sua própria e exclusiva imanência, sem nenhum contato nem dependência com o mundo exterior (que seria neste caso uma simples projeção fenomênica sua), ou se ao contrário, toda ela esta aberta para o ser transcendente que a condiciona e determina como seu fundamento e seu fim, assim na ordem especulativa como na ordem prática e “poiética”.
A solidariedade dos problemas aparece em todos os grandes sistemas filosóficos. O idealismo transcendental – já virtualmente pressuposto em Kant – que nega a dependência da atividade intelectual em relação ao ser extra-mental, nega logicamente a relação da vontade com seu objeto, e o autonomismo da inteligência na determinação do objeto metafísico é autonomismo prático na determinação da lei moral para a vontade livre. Não é de outra forma que a fenomenologia contemporânea, que na ordem especulativa reduz o alcance da intenção do objeto da inteligência, despojando-o do ser no seio sua própria imanência, a ordem prática moral reduz a intencionalidade dos bens ou fins ontológicos implicados na atividade da vontade para “valores” ilógicos desprovidos do ser. Caso seja negado ou posto em dúvida o valor real do objeto da inteligência, ipso facto cai também o valor real dos fins em que se apóia a atividade livre (e portanto a moral) da vontade.
A aceitação da filosofia moderna, não foi a solução para criar uma base de pensamento brasileira. Tanto o positivismo anti-filosófico, como o marxismo anti-cientifico, foram um desserviço à “ filosofia” brasileira. O primeiro rompeu as bases pensamento brasileiro, originalmente inserido na cultura colonial (jesuítica, indígena, negra e portuguesa), o outro, fez com que o país deixasse de ser uma realidade autônoma e independente, para passar a ser uma das partes da luta universal entre exploradores e explorados. De nação jovem e inexperiente que se explica por si por si própria, passa a ser uma nação proletária, explorada, que se explica pela ação malévola das nações desenvolvidas. (Vieira de Mello, p. 58, 1980).
O ideal civilizatório de Anchieta, já não se encontra mais em nossas almas, afinal, ele próprio seria um imperialista.