SE O TEMPO FOSSE OURO..., TALVEZ PUDESSES PERDÊ-LO. - MAS O TEMPO É VIDA, E TU NÃO SABES QUANTA TE RESTA.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

LINGUAGEM RELIGIOSA: OS VALORES E AS INJUSTIÇAS – O QUE É A “IDOLATRIA”


RELIGIÃO x CONSUMISMO






1. Valores convertido em Ídolos.
A Igreja, ao propor à Boa Nova, denuncia e corrige a presença do pecado nas culturas, purifica e exorciza os desvalores. Estabelece, por conseqüência, uma crítica das culturas, uma vez que o reverso do anúncio do Reino de Deus é a crítica das idolatrias, isto é, a crítica dos valores erigidos em ídolos ou dos valores que uma cultura assume como absolutos sem que o sejam. A Igreja tem a missão de dar testemunho do "verdadeiro Deus e do único Senhor".
Não se pode considerar como violação a evangelização que é um convite a que se abandonem as falsas concepções de Deus, procedimentos anti-naturais e manipulações aberrantes do homem feitas pelo homem.
A tarefa específica da evangelização consiste em "anunciar a Cristo" e convidar as culturas não a ficar sob um esquema eclesiástico, mas sim a
acolher pela fé o domínio espiritual de Cristo, fora de cuja verdade e graça não poderão encontrar sua plenitude. Deste modo pela evangelização a Igreja procura que as culturas se renovem, se elevem e se aperfeiçoem pela presença viva do
Ressuscitado, centro da história e do seu Espírito.




f) Conversão e estruturas.
Ficou assinalada a incoerência entre a cultura de nossos povos, cujos valores estão marcados de fé cristã, e a condição de pobreza em que muitas vezes permanecem retidos injustamente.
Sem dúvida, as situações de injustiça e de pobreza extrema são um sinal acusador de que a fé não teve a força necessária para penetrar os critérios e as decisões dos setores responsáveis da liderança ideológica e da organização da convivência social e econômica de nossos povos. Em povos de arraigada fé cristã impuseram-se estruturas geradoras de injustiça. Estas, que estão em conexão com o processo de expansão do capitalismo liberal e em algumas partes se transformam em outras inspiradas pelo coletivismo marxista, nascem das ideologias de culturas dominantes e são incoerentes com a fé própria de nossa cultura popular.
A Igreja convida, pois, a uma renovada conversão no plano dos valores culturais, para que a partir daí se impregnem de espírito evangélico as estruturas de convivência. Ao convidar a uma revitalização dos valores evangélicos, ela insiste numa rápida e profunda transformação das estruturas, uma vez que estas estão destinadas a conter, por sua própria natureza, o mal que nasce do coração do homem e se manifesta igualmente em forma social, e em servir como condições pedagógicas para uma conversão interior, no plano dos valores.


3. EVANGELIZAÇÃO E RELIGIOSIDADE POPULAR.

a) Noção e afirmações fundamentais.
Entendemos por religião do povo, religiosidade popular ou piedade popular o conjunto de crenças profundas marcadas por Deus, das atitudes básicas que derivam dessas convicções e as expressões que as manifestam. Trata-se da forma ou da existência cultural que a religião adota em um povo determinado. A religião do povo latino-americano, em sua forma cultural mais característica, é expressão da fé católica. É um catolicismo popular.
Com deficiências e apesar do pecado sempre presente, a fé da Igreja marcou a alma da América Latina, caracterizando-lhe a identidade histórica essencial e constituindo-se na matriz cultural do Continente, da qual nasceram os novos povos.
O Evangelho encarnado em nossos povos congrega-os numa originalidade histórica cultural que chamamos América Latina. Essa identidade está simbolizada muito luminosamente no rosto mestiço da Virgem de Guadalupe que surge no início da evangelização.
Esta religião do povo é vivida de preferência pelos "pobres e simples", mas abrange todos os setores sociais e, às vezes, é um dos poucos vínculos que reúne os homens em nossas nações politicamente tão divididas. Por outro lado, deve sustentar-se que tal unidade contém diversidades múltiplas segundo os grupos sociais, étnicos e, mesmo, as gerações,
A religiosidade do povo, em seu núcleo, é um acervo de valores que responde com sabedoria cristã às grandes incógnitas da existência. A sapiência popular cristãtem uma capacidade de síntese vital; engloba criadoramente o divino e o humano, Cristo e Maria, espírito e corpo, comunhão e instituição, pessoa e comunidade, fé e pátria, inteligência e afeto. Esta sabedoria é um humanismo cristão que afirma radicalmente a dignidade de toda pessoa como Filho de Deus, estabelece uma fraternidade fundamental, ensina a encontrar a natureza e a compreender o trabalho e proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo em meio de uma vida muito dura. Essa sabedoria é também para o povo um princípio de discernimento, um instinto evangélico pelo qual capta espontaneamente quando se serve na Igreja ao Evangelho e quando ele é esvaziado e asfixiado com outros interesses! Uma vez que esta realidade cultural abrange setores sociais muito extensos, a religião do povo tem a capacidade de congregar multidões. Por isso, no âmbito da piedade popular, a Igreja cumpre com seu imperativo de universalidade. Efetiva-mente, "sabendo que a mensagem não está reservada a um pequeno grupo de iniciados, de privilegiados ou eleitos, mas se destina a todos" a Igreja consegue essa amplidão de convocação das multidões nos santuários e nas festas religiosas. Aí a mensagem evangélica tem oportunidade, nem sempre aproveitada pastoralmente, de chegar "ao coração das massas".
A religiosidade popular não só é objeto de evangelização, mas também, enquanto contém encarnada a Palavra de Deus, é uma forma ativa com que o povo se evangeliza continuamente a si próprio.
Esta piedade popular cristã, na América Latina, não chegou a impregnar adequadamente ou mesmo não conseguiu evangelizar certos grupos culturais autóctones ou de origem africana, que por sua vez possuem riquíssimos valores e guardam "sementes do Verbo" à espera da Palavra viva.
A religiosidade popular, embora marque a cultura da América Latina, não se expressou suficientemente na organização de nossas sociedades e Estados. Por isso deixa um espaço para as "estruturas de pecado". Destarte a distância entre ricos e pobres, a situação de ameaça que vivem os mais fracos, as injustiças, as postergações e sujeições indignas que sofrem, contradizem radicalmente os valores de dignidade pessoal e de irmandade solidária, que o povo latino-americano traz em seu coração como imperativos recebidos do Evangelho. Por isso a religiosidade do povo latino-americano se converte muitas vezes num clamor por uma verdadeira libertação. É uma exigência ainda não satisfeita. O povo por sua vez, movido por esta religiosidade, cria ou utiliza dentro de si, em sua convivência mais estreita, alguns espaços para exercer a fraternidade, por exemplo: o bairro, a aldeia, o sindicato, o esporte. Entretanto, não desespera, aguarda com confiança e com astúcia os momentos oportunos para progredir em sua libertação tão almejada.
Por falta de atenção dos agentes de pastoral e por outros fatores complexos, a religião do povo mostra em certos casos sinais de desgaste e deformação: aparecem substitutos aberrantes e sincretismos regressivos. Além disso, pairam em algumas partes sobre ela sérias e estranhas ameaças que se apresentam exacerbando a fantasia com tons apocalípticos...






... Nada é divino e adorável fora de Deus. O homem cai na escravidão quando diviniza ou absolutiza a riqueza, o poder, o Estado, o sexo, o prazer ou qualquer criatura de Deus, inclusive seu próprio ser ou sua razão humana. O próprio Deus é a fonte de libertação radical de todas as formas de idolatria, porque a adoração do não adorável e a absolutização do relativo, levam à violação do que há de mais íntimo na pessoa humana: sua relação com Deus e sua realização pessoal. Eis a palavra libertadora por excelência: "Ao Senhor adorarás, e só a Ele prestarás culto" (Mt 4,10). A queda dos ídolos restitui ao homem seu campo essencial de liberdade. Deus, livre por excelência, quer entrar em diálogo com um ser livre, capaz de fazer suas opções e exercer suas responsabilidades individualmente e em comunidade. Existe, pois, uma história humana que, embora tenha sua consistência própria e sua autonomia, está destinada a ser consagrada pelo homem a Deus. A verdadeira libertação, com efeito, liberta de uma opressão para poder chegar a um bem superior.




g) O homem e os bens da terra.
Os bens e riquezas do mundo, por sua origem e natureza, segundo a vontade do Criador, são para servir efetivamente à utilidade e ao proveito de todos e cada um dos homens e dos povos. Por isso a todos e a cada um compete um direito primário e fundamental, absolutamente inviolável, de usar solidariamente esses bens, na medida do necessário, para uma realização digna da pessoa humana. Todos os outros direitos, também o de propriedade e livre comércio lhe estão subordinados.




h) Libertação do ídolo da riqueza.
Os bens da terra se convertem em ídolo e em sério obstáculo para o Reino de Deus, quando o homem concentra toda sua atenção em tê-los ou em cobiçá-los. Então eles se tornam absolutos. "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" (Lc16,13).
A riqueza absolutizada é obstáculo para a verdadeira liberdade. Os contrastes cruéis de luxo e extrema pobreza, tão visíveis em todo o Continente,
agravados, ademais, pela corrupção que muitas vezes invade a vida pública e profissional, manifestam até que ponto nossos países se encontram sob
o domínio do ídolo da riqueza.
Essas idolatrias se concentram em duas formas opostas que têm uma mesma raiz: o capitalismo liberal e, como reação, o coletivismo marxista. Ambos são formas do que se pode chamar "injustiças institucionalizadas ".
Finalmente, como já ficou dito, importa tomar consciência dos efeitos devastadores de uma industrialização descontrolada e de uma urbanização que
vai tomando proporções alarmantes. Os esgotamentos dos recursos naturais e a contribuição do ambiente constituirão um problema dramático. Afirmamos uma vez mais a necessidade de uma profunda revisão da tendência consumista das nações mais desenvolvidas; cumpre levar em consideração as necessidades elementares dos povos pobres que formam a maior parte do mundo.
O novo humanismo proclamado pela Igreja que rejeita toda idolatria permitirá "ao homem moderno encontrar-se a si mesmo, assumindo os valores do amor, da amizade, da oração e da contemplação. Assim poderá realizar em toda a sua plenitude o verdadeiro desenvolvimento, que é o passo, para cada um e para todos, de condições de vida menos humanas a condições mais humanas". Desse modo se planejará a economia a serviço do homem e não o homem a serviço da economia, como acontece nas duas formas de idolatria, a capitalista e a coletivista. Será a única maneira de que o "ter" não afogue o "ser".



i) O homem e o poder.
As diversas formas do poder na sociedade pertencem fundamentalmente à ordem da criação. Portanto, levam em si a vontade essencial do serviço que devem prestar à comunidade humana.
A autoridade, necessária em qualquer sociedade, vem de Deus e consiste na faculdade de mandar segundo a reta razão. Por conseguinte, sua força obrigatória procede da ordem moral e dentro dela deve desenvolver-se para que obrigue em consciência. "A autoridade é sobretudo uma força moral".
O pecado corrompe o uso que os homens fazem do poder, levando-o ao abuso dos direitos dos outros, às vezes em formas mais ou menos absolutas. Isso ocorre mais notavelmente no exercício do poder político, por se tratar do campo das decisões que determinam a organização global do bem-estar temporal da comunidade e por servir mais facilmente não só aos abusos dos que detêm o poder, mas à absolutização do próprio poder, apoiados na força pública. Diviniza-se o poder político quando na prática ele é tido como absoluto. Por isso, o uso totalitário do poder é uma forma de idolatria e como tal a Igreja o rejeita inteiramente. Reconhecemos pesarosamente a presença de muitos regimes autoritários e mesmo opressivos em nosso Continente. Eles constituem um dos mais sérios obstáculos ao desenvolvimento dos direitos da pessoa, dos grupos e das próprias nações.
Infelizmente, em muitos casos isso chega ao ponto de que os próprios poderes políticos e econômicos de nossas nações, para além das normais relações recíprocas, estão sujeitos a centros mais poderosos que operam em escala internacional. Agrava a situação o fato de que estes centros de poder se acham estruturados em formas encobertas, pré sentes em toda parte, e se subtraem facilmente ao controle dos governos e dos próprios organismos internacionais.
É urgente libertar nossos povos do ídolo do poder absoluto para conseguir uma convivência social em justiça e liberdade. Com efeito, para que os povos latino-americanos possam cumprir a missão que lhes assinala a história como povos jovens, ricos em tradições e cultura, necessitam de uma ordem política que respeite a dignidade do homem, que garanta a concórdia e a paz interior da comunidade civil e em suas relações com as outras comunidades. Entre os anseios e exigências de nossos povos para que isso seja uma realidade, destacam-se:
A igualdade de todos os cidadãos com o direito e o dever de participar no destino da sociedade, com as mesmas oportunidades, dando sua contribuição para os ônus eqüitativamente distribuídos e obedecendo às leis legitimamente estabelecidas.
O exercício de suas liberdades, amparadas em instituições fundamentais que garantam o bem comum, no respeito aos direitos das pessoas e associações.
A legítima autodeterminação de nossos povos que lhes permita organizar-se segundo seu próprio gênio e a marcha de sua história e cooperar numa nova ordem internacional.
A urgência de restabelecer a justiça não só teórica e formalmente reconhecida, mas também posta eficazmente em prática por instituições adequadas e realmente vigentes.