SE O TEMPO FOSSE OURO..., TALVEZ PUDESSES PERDÊ-LO. - MAS O TEMPO É VIDA, E TU NÃO SABES QUANTA TE RESTA.

sábado, 17 de junho de 2017

A importância da Religião no Mundo Globalizado


Segue texto do meu TCC para conclusão do Bacharelado  em Teologia, que será apresentado no final do mês de Junho.


Introdução


O Cristianismo em 2033 entrará, por assim dizer, no seu terceiro milênio de existência.
A religião Cristã é sem dúvida um fenômeno social e espiritual consolidado, mas está longe de ser unânime socialmente e para si mesmo. É uma religião com 2 bilhões de fiéis, (NOVAES, 2015) fragmentados em 4 ramos principais (Igreja Católica, Ortodoxa, Anglicana, Luterana) e milhares de pequenas denominações em um mundo com 7 bilhões de habitantes entre 1,2 bilhão de muçulmanos, 770 milhões de hindus e 360 milhões de budistas, 1,1 bilhão de pessoas analfabetas e 1,3 bilhão que são miseravelmente pobres. (GOUVEA, 2015)
O Cristianismo é a religião que está mais distribuída ao redor do mundo, tendo, por isso, um caráter global. Nesse contexto, a Igreja Católica é a corrente cristã majoritária, (1,1 bilhão de fiéis), não é a única, mas é certamente um ponto de referência mundial tanto para os que a admiram ou seguem, como para aqueles que a odeiam e a perseguem. Pela sua visibilidade mundial, instituições internas, tradição, e quadros humanos no sentido da prática da religião de forma institucionalizada e produção de intelectuais universalistas, é a única instituição cristã de capaz de manter e reorganizar o Cristianismo no sentido de não permitir que a mensagem de Cristo se desfigure e se perda entre fundamentalismos e permissividades, tão a gosto dos desejos humanos.
O modelo que se denominou chamar tradicionalmente de Catolicismo, nada mais é do que a forma que o Cristianismo historicamente materializou ao cristianizar o Império Romano e os povos bárbaros em território Europeu.
Durante o primeiro milênio a pregação apostólica e o advento do monaquismo, cristianizou a Europa.
Na segunda metade do segundo milênio, a cristandade começa a entrar em crise a se fragmentar, a partir da reforma, em centenas de grupelhos, ao mesmo tempo que se expande pelo impeto missionário católico, em todo o continente Americano, carregando consigo uma visão eurocêntrica do mundo que apresenta a Europa como o mundo humano por excelência, enquanto o restante (o não europeu) é visto e classificado como a barbárie, a marginalidade, o não-ser. (DUSSEL, 1992).
Para o novo continente, vem , junto com a fé em Jesus Cristo, um projeto de expansão das nações Europeias, precedidas de Portugal, Espanha e Inglaterra. Esse ímpeto expansionista cobre todo o território Americano, de norte a sul, além da Africa e Ásia, espalhando o modo de ser ocidental por, praticamente, todo o Mundo.
O Direito Romano, a Filosofia Grega, a moral Judaico-Cristã, se espalham pelos quatro cantos do mundo. Junto com a expansão territorial, se espalha também o Capitalismo que se cristaliza como a face econômica desse processo. Ao mesmo tempo que se instala nos quatro cantos do mundo, o modo de ser ocidental, na mesma proporção se instala também a crise da civilização ocidental, primeiramente como crise da cristandade e da religiosidade e na sequencia como a crise do Estado, da Família, da Economia, da Cultura, das relações humanas, do meio ambiente, até se poder dizer que vivemos uma crise global.
Durante esse processo de expansão e crise da Civilização Ocidental, os valores que vieram tradicionalmente da religião, como a igualdade, o liberdade, a fraternidade, passaram para a esfera civil, que pretende reorganizar a humanidade (desejo de Unidade), calcada nos valores religiosos em um mundo sem Deus.
Hoje, pensadores que não são necessariamente tradicionais, nos dizem que a ordem no mundo deriva do fenômeno religioso (ELIOT, 2012), (GIRARD, 2008), (VOEGELIN, 2009)
O que torna o tema do cristianismo e da Igreja Católica como escola de pensamento desse Cristianismo, pertinente é o fato de entendermos , junto com esses autores, que dificilmente os valores cristãos laicizados, serão suficientes para cimentar um novo modelo social e ecológico, globalizado.
Face as necessidades de integração humana e ambiental, pensamos que a Igreja Católica entra definitivamente no espírito do terceiro milênio com a eleição do Papa Francisco, que vai indicando de forma um tanto polêmica e sem muitas “prudências”, a necessidade de retomar a unidade perdida do cristianismo, promover a proteção do meio ambiente, repensar as posições com relação aos homossexuais, a postura dos sacerdotes, o ataque ao capitalismo e aos regimes totalitários de esquerda.
Como tratar com o “restante” do mundo não europeu? Como tratar Africa, o mundo Islâmico, os ateus, a ciência, e os excluídos da sociedade? O que fazer com as chaves do reino? (Evangelho de S. Mateus, XVI, 19).

1 – A Religião e a Formação da Cultura “Democrática”


O mundo ocidental se ergueu no processo de erosão do Império Romano e advento do Cristianismo, que herdou a cultura greco-romana e judaico-cristã.
Os Gregos nos legaram a filosofia e a noção de democracia , os Romanos nos legaram o Direito e as instituições essenciais de nossa organização política e em grande parte das línguas europeias.
Por outro lado, o Judaísmo nos legou o Antigo Testamento, obra monumental, que contém entre outros valores o Decálogo, centro de nossa concepção moral.
Um dos mais importantes conceito que o povo hebreu nos legou está no início das sagradas escrituras que chegaram até nós, coligidas pela Igreja Católica. É a história da criação do mundo. Apesar de termos várias teogonias elaboradas por diversos povos, o que torna o relato da criação descrito no Gênesis especial é a ideia de que tudo e todos têm uma origem comum. Daí podemos compreender que, no plano social somos todos irmãos, por outro lado como universo também é criação de Deus, a ordem observada na natureza das coisas tem a mesma origem que o Homem e todos os seres humanos devem ser tratados com o mesmo respeito, porque todos têm uma origem e um destino comum.
Hoje essa concepção pode se tornar mais abrangente na perspectiva ética, devido ao grande mal que o homem vem imprimindo no meio ambiente desde início da Revolução Industrial. A atual reflexão teológica, pode nos direcionar para uma ética que supere o homem como foco, em favor de uma perspectiva cosmológica capaz de abranger todos os seres vivos, assim como a paisagem todos os recursos naturais do planeta.
Todas as religiões antigas ou primitivas ligadas a tribo ou a pólis tinham regras para tratar o seu povo e outros povos. A concepção judaica superou essa perspectiva em uma direção mais Universal, segundo a qual, todos os seres humanos, imagem e semelhança de Deus, tem, por isso, valor e dignidade infinitos (PINSKY; 1975).
Em todas as partes do mundo e em todos os períodos da história, a religião (perspectiva axiológica) e a nação (perspectiva social e política) estiveram intimamente relacionadas. Por isso em períodos de expansão Imperial como aconteceu a história de Roma, a questão da liberdade religiosa ganha grande importância. Sabemos que os romanos, quando conquistavam um povo, mantinham seus lideres e seus deuses. Certamente perceberam que a religião não é um conjunto de crenças abstratas, mas uma explicação última da vida e a maneira de viver de um grupo de pessoas, e que é o elemento fundamental da humanidade de uma pessoa. Assim, não privar a pessoa do direito de praticar a própria religião é manter uma dimensão de sua dignidade. Não implica aqui se dizer que os romanos respeitavam os direitos humanos, mas sabiam muito bem que negar certos elementos essenciais da dignidade humana contribuiria em muito para fomentar a revolta, como bem podemos observar ao ler “Antígona” de Sófocles.
A obra de Sófocles, escrita aproximadamente em 442 a.C. conta o drama de Antígona. Seus irmãos, Etéocles e Polinices, mataram um ao outro na luta pelo trono de Tebas. Por isso Creonte se torna Rei e manda sepultar Etéocles de acordo com a tradição religiosas enquanto Polinices teria seu corpo deixado exposto para ser devorado pelos cães e abutres. Antígona se rebela contra Creonte, e, para tentar sepultar o irmão, deixa claro que não deixará o corpo do irmão sem os ritos sagrados, mesmo tendo que morrer para isso. A peça deixa evidente a tensão entre as leis humanas (da Polís) e as da consciência interior (Leis Divinas). (SÓFOCLES, 2016)
No início do cristianismo essa prática de liberdade religiosa foi reivindicada por diversos escritores é promulgada pelo edito de Milão em 313 d. C. pelo Imperador Constantino, mas em 380 o Imperador Teodósio publicou o édito de Tessalônica que impôs a prática do cristianismo em todo Império.
Essa luta entre a consciência individual e a obediência às leis do Estado que permearam o período foi desde a queda do Império Romano até a formação da civilização europeia ocidental. Já no século XIII, aconteceu a revolta que resultou em desentendimentos entre Rei João (O Sem Terra) , contra o Papa e os barões ingleses a respeito das prerrogativas do soberano. O monarca, que o assinou a Magna Carta limitou seus próprios poderes. Com o Descobrimento do Novo Mundo, quando os colonos chegaram à América do Norte, já se estabeleceram nas novas terras sob a égide da liberdade religiosa, como podemos ver uma carta de Maryland Nerdland de 1632 ou na colônia de Rhode Island fundada por Roger Willians, seguidos das concessões de acordos de Nova Jersey em 1677 e a fundação do povoado “Cidade do Amor Fraterno” na Filadélfia. Logo depois, com a Revolução Gloriosa que depôs o rei Jaime II da Inglaterra, obrigou-se o seu sucessor Guilherme de Orange a conceder direitos constitucionais assinados na carta de direitos de 1689.
Seguindo essa tendência John Locke (1632-1704) escreve dois tratados sobre o governo, nos quais fala dos direitos naturais do homem, os direitos
à vida, à liberdade e à propriedade. servindo de base para separação dos poderes governamentais, mais tarde explicitados por Montesquieu (1689-1755).
Esse conjunto de fatores influenciou profundamente a situação política na América do Norte e resultou na declaração de independência dos Estados Unidos em 1776, tendo por princípio, que todos os homens são criados iguais com direitos inalienáveis à vida e a busca da felicidade. Em 1774 o congresso das treze colônias americanas redigiu um documento - declaração e resoluções - que colocava o naturalismo como fundamento dos direitos do cidadãos e a carta de direitos da Constituição de Virgínia em 12 de junho de 1776 trazia o princípio de liberdade religiosa, escolha dos governantes, liberdade de imprensa. As cartas de direitos da Pensilvânia, Delaware e Maryland - Carolina do Norte, a Declaração da Independência elaborada por Thomas Jefferson e logo na sequência a revolução na França – Queda da Bastilha 14 de julho de 1789, reproduziram a base da famosa Declaração dos Direitos do Homem em 27 de agosto do mesmo ano.

2) A Secularização e o Processo degenerativo do Pensamento Ocidental


Como pode humanista se sacrificar qualquer coisa que não seja o homem, conhecer qualquer coisa que não ele? Se sacrificar por algo maior que ele?
O período anterior chamado de medieval uma unidade carne e espirito, no sentido de que se conseguia a compreensão da pessoa humana, das pessoas reais e de Deus . O homem reconhecendo miserável era fecundo em heroísmo, conhecimento, arte, amor ao próximo. O homem amando as coisas e nelas o ser as atrai ao humano antes de fazer humano ser a sua medida. Se trata de um humanismo teocêntrico. O Homem não é apenas um animal racional, como diria Aristóteles cuja definição implica em uma concepção dualista de um ser que vive habitualmente no sentidos ao mesmo tempo que tem aspirações super-humanas.
Ao mesmo tempo que tem aspirações super-humanas, o homem medieval tem um ambiente cercado redimido e libertado pela graça. É uma pessoa do universo espiritual dotado de liberdade de escolha e constituído de um todo independente que não pede submetido nem natureza nem ao Estado sem sua devida permissão. Deus age no íntimo da pessoa de modo particular delicado respeitando sua liberdade solicitando sua conversão. Por isso os conhecimentos teológicos eram suficientes a Idade Media para ordenar a vida do homem e da sociedade
Com a reforma protestante (1517), esse pensamento pensamento teológico muda. A influência dos reformadores nos legou uma visão de homem essencialmente corrompido. Teologicamente a graça de Deus não é mais vida, é um manto que cobre as suas misérias. Não há mais o santo que acredita na iniciativa dos seus bons atos em correspondência à graça. Entra aí um certo pessimismo, o homem não vale nada, só Deus é grande, o homem passa a se sentir só e incapaz, condenado a viver essa vida corrupta submetido a uma espécie de destino, como pré destinação.
O cristianismo vai desaparecendo na sociedade.
Com o pensamento de Rousseau (1712 -1778) o homem é bom no estado de natureza, puro em comunhão com a natureza. ( ROUSSEAU; 2017)
Do homem natural se espera todas as aspirações e todos os apelos de uma vida divina. O homem natural espera do mundo natural tudo o que é divino.
Como é preciso ser feliz, o homem só faz aquilo que o faz se sentir feliz no momento.
O fazer só o que o torna feliz se converte, portanto, em sua própria ordem interior; e a religião os relacionamentos, ideologia e consumismo ocorrem nessa perspectiva subjetiva.
O otimismo inicial da Renascença pelas descobertas científicas, entusiasmo criador amor a beleza e formas sensuais aos poucos vai se transformando em pessimismo e existencialismo, a sociedade sofre revoluções, se afirma o indivíduo, se cai na depressão e no suicídio. O Homem moderno toma a consciência do que significa ser humano. Descobre os vícios da religião, da arte, da política, da ciência e das paixões humanas, por isso, se torna excessivamente crítico.
Foi em nome da Autonomia da personalidade que a polêmica racionalista condenou qualquer intervenção de ordem exterior à revelação, à graça, à tradição, o bem maior, a realidade objetiva. Esse humanismo substitui o homem heroico e santo por um homem puramente natural.
Essa nova cultura dissocia natureza e graça, razão e fé, conhecimento e amor; e aos poucos vai dispersar, decompor a pessoa individual em favor da coletividade e, no o final do processo filosófico racional submete o homem ao Estado, ordem jurídica perfeita como na Filosofia de Hegel, (1770 - 1831) ou, a uma sociedade comunista, como no coletivismo de Marx (1818 -1883)
. Como vimos, esse humanismo antropocêntrico se desenvolveu em três etapas.
Primeiro temos o naturalismo cristão dos séculos 15 e 16 que propõe que da virtude da razão deriva a ordem humana, Depois temos a cultura burguesa do século 19 que pretende libertar o homem da superstição das religiões. O homem é bom por natureza e procura segurança na acumulação de bens, riquezas daí o recalque do humano pela matéria. O homem Reina sob a Natureza mas não considera as leis profundas de sua natureza e começa lentamente subordinar o humano ao não humano, à técnica, às energias de ordem material, a terra passa a ser habitada bestas (que exercem mão de obra) ou por deuses (dedicados a um modo de vida superior). A filosofia crítica torna o homem relutante, subordinando a inteligência aos fatos e começam a impor na natureza seus esquemas lógico subjetivos, extrínsecos e não completamente coerentes.
O homem como personalidade livre, espiritual imagem e semelhança de Deus vai desaparecendo. No século 20, não suportando mais o peso da máquina que criou, o homem vai se tornando cada vez mais materialista e ateu, e pretende construir uma nova humanidade nessas perspectivas.
A Idade Moderna certamente inaugurou um novo período de conquistas, descobertas e de propostas de libertação do homem. Da Conquista da natureza através da ciência e da razão. Pensadores como Bacon, (1561-1626), Bentham (1748-1832) e Marx estavam cobertos de boas intenções e acreditavam na melhoria da condição humana. Os novos processos de produção eram extremamente eficientes é poderiam oferecer a expansão e a satisfação das necessidades materiais do homem, mas e por sua vez, gerou a multiplicação das forças de produção e a capacidade de consumo. Gerou um comportamento completamente completamente diverso daquele estimulado pelo catolicismo tradicional que tinha como um de seus focos conter os desejos. Agora, em nome da economia, surgiriam vários artifícios que estimulavam o consumo ilimitado. Enquanto alguns podiam se alimentar fartamente outros não tinha o que comer. Aquilo que deveria gerar a libertação da humanidade para o exercício de funções mais nobres e superiores, na verdade gerou o ciclo do consumo que lançou o homem moderno em ciclos de confusão frustração e impotência.
A expansão mecânica da produção despertou o apetite de riquezas, poder e sensações .
Esse modo de ver as coisas induziu a uma necessidade contínua de revoluções incessantes em todos os âmbitos da experiência humana, destruiu hábitos seculares, questionou a autoridade os valores tradicionais.
A ideologia utilitária reinterpretou todos os aspectos da vida em termos pragmáticos. Os valores, a verdade, bondade e beleza eram claramente desprezados em favor do meramente prático.
Sendo excessivamente prática a mentalidade moderna deixa de pensar a realidade e se foca nas promessas da técnica que pretende dar conforto, eliminar a doença, espaço e até mesmo mortalidade.
Do outro lado o homem comum se distância da sociedade natural e orgânica e começa a se deixar absorver cada vez mais pelo trabalho, em uma perspectiva meramente existencial, como podemos ver no romance de Èmile Zolá, Germinal de 1885.
Assim as evoluções que pretenderam libertar os cidadãos de governos despóticos não vingaram, pois a libertação política emancipou indivíduo que agora se prende as propostas ilusórias dessa nova sociedade. Não basta apenas a liberdade, o homem agora quero ser também rico e se prende inconscientemente às algemas desse mecanismo de produção. O bem-estar o conduziu mais uma vez a desigualdades e injustiças. Então, mais uma vez, esse homem não hesita em se deixar prender nas algemas das ideologias.
O indivíduo perde as associações que davam corpo e contextura a sua personalidade na sociedade tradicional. Se tornou um átomo entre outros milhões de átomos que se anulam diante do Poder organizado do Estado que dá forma à massa. Anulado, sem identidade fixa, atômico, só conhece interesse pessoal e tem um único objetivo, a auto conservação e por isso e vive sob o comando de dois senhores absolutos, o prazer e a dor. (OTAVIANI, 2017)
Sem possibilidade de se auto-afirmar o indivíduo só consegue se identificar e se afirmar no interesse da classe. Dai surge a tentativa de criar o céu na terra, para a a classe proletária.
As tentativas dessa emancipação, nos legou um século XX catastrófico, com genocídios, ideologias totalitárias e a Bomba atômica.

3 - Um mundo Globalizado


Uma civilização é resultado da ação humana conjunta aliada ao tempo, por isso não pode ser feita por uma única etnia nem destacada no tempo, mas é o reflexo de diferentes ideais, que se sedimentaram e evoluíram através do tempo espaço.
A conquista do espaço e tempo pelos meios mecânicos e virtuais contatou geograficamente diferentes civilizações e partes do mundo e criou uma grande sociedade virtual.
Ao descrever um início de manhã de um cidadão americano, Ralph Linton (1893-1953) demonstra em partes essa sedimentação evolutiva:

O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos este materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos "mocassins" que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito. Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita do vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Seul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são originários do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez como o ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa. Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virginia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano (LINTON apud LARAIA, 1989, p. 110-112).”

Essa unificação atingiu níveis geográficos e virtuais, mas ainda não foi capaz de ser efetiva na perspectiva dos relacionamentos humanos.
As ideologias modernas falharam na elaboração civilizatória porque privilegiaram alguns ideais humanos em prejuízo de outros, causaram um desequilíbrio monumental durante todo o século 20, produziram genocídios jamais vistos na história da humanidade, o consumismo e o progresso custaram ao homem o desentendimento ideológico, a exclusão social e a destruição do meio ambiente.
O poder econômico ideológico esquece que a civilização se baseia no equilíbrio e harmonia de todos. O ideal civilizatório oscila entre os vários interesses humanos participando de todos os ideais em todos os tempos. Todos os povos antigos contribuíram em cada fase histórica para a grande enciclopédia humana que é como um cristal que reflete a partir da luz branca as sete cores do arco-íris, símbolo da formidável diversidade na unidade que é o ser humano.
Acontece que no processo de formação da modernidade, com descoberta do Novo Continente (1492), se estabeleceu uma lógica que passa primeiro pela dominação dos povos indígenas. Antes de Descartes dizer “Eu penso logo existo”, Hernán Cortés (1511) estabeleceu o “Eu conquisto”. O dominador do outro, cultural e economicamente, para colocá-lo a seu serviço é a origem da modernidade que se dá a partir de1492 e que permite que a Europa se afirme como centro. O europeu antes disso não era o centro . A partir daí vai se elaborando uma visão Histórica na qual a filosofia (razão) surge na Grécia, se desenvolve na Europa, e com a modernidade, pensadores como Voltaire, Montesquieu, Kant, Hegel, vão polarizando o pensamento filosófico e a visão histórica.
A filosofia surgiria na Grécia, se desenvolve na Europa e triunfa na Alemanha com Hegel e Marx e, nosso história vai sendo focada nos acontecimentos da Inglaterra , França e Alemanha, e, aos poucos, vão desaparecendo a Grécia, Portugal e Espanha e, finalmente , surge o Oriente como um fantasma e uma criação Europeia. A modernidade, o capitalismo, o colonialismo, e o Eurocentrismo, são simultâneos.
A filosofia de Hegel e de Heidegger trata do ser no mundo, da totalidade, não dando conta do Outro , do Oprimido, do Bárbaro, do não Europeu, do que não pensa em categorias Europeias, que não usa a razão como ela foi concebida na perspectiva Ocidental.
Para superar esse Eurocentrismo, Dussel propõe uma mudança de foco. Temos que levar em consideração o outro, o oprimido, com um método que já não é mais dialético mas analético.
Aná em grego, significa 'mais além' e 'mais alto'. O método analético parte da palavra do outro enquanto livre, como um além do sistema da totalidade, é a afirmação da existência de um âmbito antropológico alterativo mais além da Identidade da Totalidade.
O que está fora da totalidade/eurocentrismo/dominado e, na realidade, oprimido, tem que se imaginar como não oprimido, isto é, parte de uma afirmação, abrindo o horizonte utópico para superar uma negação. Coloca em crise o sentido da Totalidade fechada, rompendo-a para o outro e se comprometendo a responder a esse excluído. Assim a Filosofia de Dussel (Filosofia da Libertação) leva em consideração o Islã, China, África, Egito e repensa a História através de um horizonte epistemológico.
Por exemplo, deixa a perspectiva de que de um Teorema de Pitágoras no âmbito da Filosofia Grega , já que os Egípcios o conheciam 2000 anos antes. Isso nos leva a entender que podem haver desenvolvimentos de forma que nós não pensamos até agora, com significados diferentes. Por exemplo, temos que pensar o Poder fora da perspectiva de Hobbes, Locke e Rousseau, ou seja, um poder que não seja dominação.
O foco desse Jus Naturalismo acentuam o papel do indivíduo, mas historicamente , nunca existimos puramente como indivíduos, mas sempre como comunidade.
Pensar fora da perspectiva eurocêntrica, coligir tradições, pensar novos modelos, que levem em consideração o excluído, eis o desafio presente. As estruturas pensadas até hoje não dão mais conta de organizar nossa sociedade. Em 2050 dizem que seremos 10.000.000.000 de pessoas no mundo (G1;2017). Como pensar as relações de população mundial, numa perspectiva de exclusão social, falta de moradia, água e alimentos, de conflitos raciais, religiosos e ideológicos, sem levar em consideração o outro? Seria a continuidade do conflito e da imposição de uma visão única contra a visão do outro.
Como cidadãos de um mundo globalizado, podemos perceber que vivemos dias de uma crise epocal. Muitos veem esse momento como um “sinal dos tempos”, como um apocalipse. Muitos cristãos veem esse momento como se estivéssemos vendo o triunfo do mal, outros tantos vão simplesmente vivendo dentro do sistema econômico alienante ou em ditaduras não menos alienantes, ou, em outras palavras, vivemos sob a perspectiva das mais diversas ideologias dos mais variados matizes. Mas, todos nós temos problemas reais como a exclusão de milhares de pessoas dos sistemas sociais, epidemias mundiais, falta de água, perseguição violenta a cristãos em vários pontos do mundo, degradação do meio ambiente e a possibilidade de extermínio da humanidade. A religião fundada por Jesus de Nazaré, parece ter criado ao longo desses dois últimos milênios uma profusão de vivencias sociais e espirituais capazes de mover o íntimo do ser humano no sentido de diminuir o sofrimento humano.
Esses valores, longe de estarem em crise, parecem ser a semente de novos modos de viver as relações humanas e de integração do homem com a natureza criada.
Dos escombros da cristandade, surgiria uma nova força capaz de animar, organizar e sarar nossa humanidade?

4 - Vinde a nós o Vosso Reino


Como vimos, com o advento da modernidade, os homens procuraram novos ideais para unir os povos. Sabemos que Maquiavel, no seu famoso “O Príncipe”, começa a estabelecer um contato entre a burguesia que começava a se fortalecer com a Nobreza no sentido de legitimar o poder de um soberano que não dependesse do poder divino, mas que conseguisse administrar a fortuna com base na virtú e assim, o governante não tem seu poder garantido por leis eternas , mas se torna sujeito da história que para vencer a fortuna tem que exercer a virtú , o que implica em não considerar na prática política os valores cristãos. (MAQUIAVEL; 2017)
Outro desses ideais, como já vimos, foi a ideia de progresso, mas, sem a religião, a ciência se torna uma força neutra que se coloca a serviço do militarismo e da exploração econômica, e se torna instrumento para criar a monstruosidade. Alias , vemos o prenúncio dos desastres na produção literária do século XIX. Em “Frankenstein ou o Moderno Prometeu”, a garota Mary Shelley conta como Victor Frankenstein , procurando o segredo da vida, acaba por construir uma criatura, abandonando-a, e depois essa criatura persegue seu criador e destrói tudo o que ele ama. (SHELLEY, 2017).
Com a ideia de progresso em pouco tempo os recursos da natureza estavam sendo exauridos em troca de ganho monetário, as florestas foram destruídas para fazer jornais mais baratos. A riqueza foi gerada em níveis jamais pensados antes na história, mas a pobreza atingiu condições dramáticas. Destituindo as coisas de uma visão teológica do mundo que tem um fim meramente material, secularizando os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, e acreditando que o homem por si só é capaz de uma perfectibilidade moral e assim crer no progresso ilimitado da raça humana que toma lugar da fé cristã, demos lugar a todas as utopias que pretendemos realizar na história.
Isso nos faz entender melhor o papel da Igreja nesse período de 500 anos que constitui o período moderno. Ela combateu a Reforma, a Revolução Francesa, o Racionalismo, o Evolucionismo. Antes do Concilio Vaticano II a Igreja combatia em todas as frentes as novidades da modernidade, era muito rígida e preocupada com suas fórmulas doutrinárias, hostil ao mundo mau exterior e exigindo heroísmo em face ao desafio. Construiu uma fortaleza doutrinária para melhor responder ao fenômeno crescente da secularização.
Mas, depois da segunda guerra mundial, já não era mais possível conter esse processo de secularização. A divisão do mundo entre os chamados países do primeiro mundo, socialistas e terceiro mundo, tomou perspectivas dramáticas. As propostas da modernidade já não eram ideais a serem seguidos, as pessoas começam a aderir a lutar pelas suas liberdades individuais e o discurso religioso conservador já não é uma opção para a sociedade em geral
Nesse Panorama caótico, o recém-eleito Papa João XXIII anunciou em 25 de janeiro de 1959 o segundo Concílio do Vaticano. A em 25 de dezembro de 1961, a Constituição Apostólica Humanae Salutis convoca oficialmente o Concílio e em 11 de outubro de 1962, na Basílica de São Pedro, o Papa faz o discurso oficial de abertura:

O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. Essa doutrina abarca o homem inteiro, composto de alma e corpo, e a nós, peregrinos nesta terra, manda-nos tender para a pátria celeste...Mas parece-nos que devemos discordar desses profetas da desventura, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo. No presente momento histórico, a Providência está-nos levando para uma nova ordem de relações humanas, que, por obra dos homens e o mais das vezes para além do que eles esperam, se dirigem para o cumprimento de desígnios superiores e inesperados; e tudo, mesmo as adversidades humanas, dispõe para o bem maior da Igreja.” (JOÃO XXIII, 2017)

Com a morte de João XXIII , o Concílio prosseguiu com o Papa Paulo VI, e produziu quatro Constituições (Dei Verbum, Lumen Gentium, Sacrosanctum Concilium, Gaudium et Spes), Declarações (Gravissimum Educationis, Nostra Aetate, Dignitatis Humanae) e 9 Decretos (Ad Gentes, Presbyterorum Ordinis, Apostolicam Actuositatem, Optatam Totius, Perfectae Caritatis, Christus Dominus, Unitatis Redintegratio, Orientalium Ecclesiarum, Inter Mirifica).
O Vaticano II atualizou a Igreja com os temas do mundo contemporâneo, e proporcionou instrumentos para que ela continue sua missão de evangelização, numa perspectiva capaz de responder os desafios desse novo mundo que se formou depois da segunda metade do século XX.
A Declaração "Nostra Aetate", documento-chave para criar novos modos de relacionamento entre as religiões , aprovado ao fim do Concílio Vaticano II, em 28 de outubro de 1965 e promulgado por Paulo VI, que mudou a relação com os judeus depois de séculos de antijudaísmo e acusações de ser o povo responsável pela morte de Jesus Cristo. 2.221 dignatários da Igreja assinaram esse documento que tiraram da liturgia da Sexta-feira Santa a expressão "pérfidos judeus", revisam os ensinamentos católicos sobre o judaísmo, procurou as raízes judaicas do cristianismo como forma de aproximação dos judeus,incentivou o estabelecimento das relações diplomáticas entre a Igreja e o Estado de Israel e uma série de visitas do Papa a sinagogas, iniciada com São João Paulo II em 1986, que cunhou a expressão "nossos irmãos mais velhos", ao se referir aos judeus. Além dos judeus, a Declaração também estabelece novas bases em relação aos muçulmanos e , religiões não-cristãs como o budismo, os hinduísmo. "A Igreja não rejeita nada que seja verdadeiro e santo nessas religiões" (NOSTRA AETATE; 2017)
Foi o documento que permitiu os históricos encontros interreligiosos de Assis, na cidade de São Francisco, centro da Itália, em 1986 e 1993 com S. João Paulo II, e Bento XVI em 2011 e a visita do Papa Francisco a Mesquita Azul de Istambul e a um templo budista em Colombo, no Sri Lanka, em 2014.
O decreto Unitatis Redintegratio sobre o Ecumenismo salienta que a divisão das diversas igrejas no panorama da cristandade atual, apresenta uma diversidade de interpretações da palavra de Deus, que combatem entre si, escandalizando os cristãos, e contrariando o espírito do nosso fundador comum, pouco contribuindo para a salvação do gênero humano. Ao invés de apresentar e reforçar interpretações contraditórias da palavra de Deus, que servem mais para fortalecer grupos, e seitas, poderíamos considerar as diversas cristologias, em suas essências, para incrementar nossa visão da Revelação no espirito de unidade.
Gaudium et Spes (Sobre a Igreja no Mundo atual) talvez tenha sido o documento mais importante produzido pelo Concilio Vaticano. Ele faz com que a Igreja se identifica com o mundo, pois diz que ”não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco “no coração dos discípulos de Cristo” (nº 1); “não mais se apresente como contrária a ele ao abarcar o gênero humano e sua história” , assim, não se dirigia apenas a seus fiéis e ao que invocam o nome de Cristo “mas a todos os homens” na perspectiva de servir a todos para salvar, não para julgar, manifestando “solidariedade, respeito e amor para com a inteira família humana”, na qual o Povo de Deus está inserido O Decreto Dignitatis Humanae (Sobre a Liberdade Religiosa), foi talvez o maior desafio a mentalidade católica pré conciliar. O liberalismo foi duramente criticado pelos papas desde o final do século XIX:

Deus é que fez os homens sociáveis e os colocou num grupo de seus semelhantes, para que o que sua natureza precisasse, e eles sozinhos não pudessem obter, encontrassem no convívio social. De onde, é preciso reconhecer a Deus como criador da sociedade civil, enquanto é sociedade, e, em conseqüência reconheça ela e lhe cultue o poder e domínio. Condena, pois, a justiça, condena a razão, que o Estado seja ateu, ou, o que termina no ateísmo, se mostre indiferente para as várias, como se diz, religiões, e a todas promiscuamente conceda os mesmos direitos. (LEÃO XIII, 2017)

A laicidade maçônica da ordem político-social coloca o indivíduo no centro da ordem social orientado pela razão autônoma, livre de qualquer coação externa, contrário ao principio de autoridade. Portanto o espírito deve procurar por si mesmo a verdade, sem nenhum obstáculo externo, rumo à “maioridade”. (KANT, 2017) Esses ideias foram os que constituíram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793, que descrevemos no capítulo um.
Embora , na prática, esses ideais impliquem na rejeição dos dogmas, tão presentes no ambiente católico e na relativização da verdade, por outro lado, com a Declaração “Dignitatis Humanae” retoma a questão da Liberdade religiosa abandonada nos primeiros séculos, e não contrário aos ensinamentos anteriores , diz :

Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste nisto que todos os homens devem estar imunes de coação, tanto da parte de pessoas particulares como de grupos sociais e de qualquer poder humano, e isto de maneira que, em matéria religiosa, nem se obrigue a ninguém a agir contra sua consciência, nem se impeça que proceda de acordo com ela em privado como em público, sozinho ou associado a outros, dentro dos limites devidos... De acordo com sua dignidade todos os homens, porque são pessoas, a saber, dotados de razão e vontade livre, e, portanto, elevados pela responsabilidade pessoal, são impelidos por sua própria natureza e também por uma obrigação moral a buscar a verdade, em primeiro lugar, a que diz respeito à Religião. Estão igualmente obrigados a aderir à verdade conhecida e a ordenar toda sua vida de acordo com as exigências da verdade. Não podem, no entanto, satisfazer a esta obrigação, de maneira consentânea à sua própria natureza a não ser que gozem da liberdade psicológica e ao mesmo tempo da imunidade de coação externa. O direito à liberdade religiosa não se funda, pois, numa subjetiva disposição da pessoa, e sim na sua própria natureza. De onde, o direito a esta imunidade persevera mesmo naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar a verdade e de a ela aderir; e seu exercício não pode ser impedido, desde que se ressalve a justa ordem pública”. (DIGNITATIS HUMANAE, 2017)
De internis, nec Ecclesia. Ao afirmar a necessidade da a liberdade religiosa não apenas para si, mas para as outras religiões e para todos os homens,não contradiz o ensinamento da Igreja, pois do interior do espírito, das intenções, daquilo que é interno, o que passa no coração dos homens, nem a Igreja julga. Cabe a Igreja, ao pregar o Evangelho e testemunhar sua validade, abrir caminho para que a graça de Deus toque o coração humano.
Abrindo as janelas, o Concilio Vaticano II, ofereceu à Igreja, instrumentos importantes para atuar em um mundo repleto de mudanças e oferecer ao gênero humano possibilidade de reorganizar a nossa casa comum, para que o reino de Deus se faça entre nós.

5 - Herdeiros da Diversidade


Freud, Marx e tantos outros filósofos modernos cavaram uma trincheira de batalha que tentou introduzir na história do Homem, um mundo sem Deus, no qual a segurança material e o relacionamento humano sem nenhum tipo de amarras tornariam a humanidade livre.
Toda cultura é uma planta, precisa ter raízes na terra e para receber a luz solar precisa estar aberta ao espiritual. Produziu várias ideias dominantes, como a de que a desigualdade material é, em si, uma injustiça.
No ocidente entendemos a religião como um sistema de crenças racionalizadas, institucionalizadas e rituais obrigatórios, monoteístas, sobrenaturais, que se pratica no âmbito privado. Assim a prática religiosa se torna completamente separada do âmbito secular.
Basta olhar para o mundo em que vivemos, hoje, para notar que não sobrou nada para o Homem além de entretenimento, relacionamentos pessoais e utopias tóxicas, com a agravante de que o capricho de duas pessoas raramente coincidem. Por outro lado, poderia o progresso material sozinho assegurar a sobrevivência da civilização ocidental?
A revolução industrial potencializou as forças de produção, explorou os bens da natureza como se fossem recursos ilimitados se instalou na Europa e depois no mundo, uma forma de agir que procura o lucro a custo de “uma perversa desigualdade social... e produção sistemática de pobreza... [e] também uma injustiça ecológica: devastação de inteiros ecossistemas, exaustão dos bens naturais”. A finalidade da vida passou a ser o acúmulo de bens materiais, produzido pela exploração desenfreada dos bens naturais, com o menor custo e maior lucro possíveis, prometendo ao seu indivíduo a felicidade. (BOFF, 2007)
Para substituir a anarquia internacional por uma ordem política mundial é preciso colocar o reinado da autoridade espiritual no lugar do reinado da força física.
Para o famoso Lorde Acton, a religião é a chave da historia e está no âmago de cada civilização, e que a liberdade é um princípio essência:

[A liberdade] é um fruto delicado da civilização madura... Em todas as épocas o progresso é perturbado por seus inimigos naturais, pela ignorância e pela superstição, pelo desejo de conquistas e pelo amor pelo conforto, pelo desejo de poder dos homens fortes e pelo desejo de se alimentar dos homens pobres... Em qualquer tempo, os sinceros amantes da liberdade foram raros, e seus triunfos confiados às minorias, que acabaram por prevalecer ao se associarem com pessoas cujos objetivos por vezes se diferiam dos seus. Essa associação, sempre perigosa, foi por vezes desastrosa... O teste mais acurado, a partir do qual nós podemos julgar se um país é realmente livre, é a quantidade de segurança da qual gozam suas minorias... (In: POWEL, 2017)

As transformações que ocorreram na história mundial entre os século V e VI a.C. coincidem com o advento das grandes religiões e profunda mudança de pensamento e o despertar espiritual promovidos pelos profetas hebreus, Buda e Confúcio.
A liberdade ao tornar-se individualismo se traduz em egocentrismos que só podem causar o desastre. As emoções humanas não são coletivas, mas individuais, por isso o liberalismo parece fazer sentido, no entanto, como já dissemos acima, o homem nunca existiu senão em sociedade, então a vida espiritual de cada pessoa é a vida espiritual individual que participa das relações sociais, que é o âmbito que deve ser travada a luta pelo autodomínio, pelo auto conhecimento e aprimoramento.
Isso explica o motivo pelo qual a salvação deve ser procurada não na massa social, no interior da inatualidade. Pender para um lado ou para outro foi o erro fundamental das utopias modernas. Por isso as religiões mais aprimoradas, entendem seus semelhantes (não os seguidores) como pessoas. Por isso , Maomé chamou seu caminho espiritual de “submissão”, que poderia ser atribuído também ao caminho espiritual de Buda, Zaratrusta e Jesus.
A despeito das características acidentais constituídas historicamente no seio de cada uma dessas religiões, mostra como a vida espiritual íntima de um ser humano pode ser motivado pelos elementos essenciais comum a todas elas.
Depois da década de 1960 , a Igreja Católica tem cumprido o papel de encorajar a busca da verdade científica, histórica e filosófica e, ao promover a liberdade individual na esfera política, abriu espaço para o surgimento da Teologia da Libertação que propôs a crítica do magistério eclesiástico, a idolatria do mercado neoliberal e elaborou uma teologia ecológica abarcando temas universais para os tempos atuais, o que demonstra a vitalidade do Catolicismo que considera alguns pontos críticos do convívio humano como a devastação do meio ambiente, a necessidade de integração mundial e a consequente superação das diferenças entre os interesses nacionais, econômicos em favor do bem comum. (GONÇALVEZ, 2017)
O Concílio Vaticano II equipou a Igreja para dialogar com o mundo em sua totalidade, promoveu a criatividade filosófica/teológica que permitiu seu avanço, sem se descaracterizar.
O Papa Francisco tem comandado avanços significativos ao pedir perdão aos homossexuais(G1,2017), promover o diálogo interreligioso,
A maioria dos habitantes do planeta declara-se crente.
Isto deveria ser motivo para o diálogo entre as religiões.
Não devemos deixar de rezar por isso e colaborar com quem pensa de modo diferente.
Confio em Buda.
Creio em Deus.
Creio em Jesus Cristo.
Creio em Deus, Alá.
Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente,
procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos.
Nesta multidão, nesta variedade de religiões,
só há uma certeza que temos para todos:
somos todos filhos de Deus.
Creio no amor.
Creio no amor.
Creio no amor.
Creio no amor.
Confio em vós para difundir a minha intenção deste mês:
"Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões
produza frutos de paz e de justiça".
Confio na tua oração.” (
O Video do Papa - Diálogo Inter-religioso

Também inaugurou uma nova vertente de documentos da Igreja ao lançar a histórica encíclica “Laudato Si” (Sobre o Cuidado da Casa Comum), com severas críticas ao consumismo, ao desenvolvimento irresponsável e à destruição ambiental e faz um apelo veemente:

Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. O movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização. Infelizmente, muitos esforços na busca de soluções concretas para a crise ambiental acabam, com frequência, frustrados não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros. As atitudes que dificultam os caminhos de solução, mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas. Precisamos de nova solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, «são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus». Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades” (Laudato Si, 2017)
Promover a unidade das 33.000 religiões cristãs, propor o respeito às grandes tradições religiosas, promover a justiça social e a liberdade individual, rever os conceitos historicamente cristalizados em prol da inclusão social, defender o meio ambiente, é o papel da igreja profetizada no livros de Malaquias:
Eis que vos envio o profeta Elias, antes que venha o dia
grande e terrível do Senhor.
E converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração
dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra
com maldição. Mal.4:5-6

A maldição nós já a evocamos sobre nossas cabeças, e temos sentido seus efeitos nesse ultimo séculos de genocídios, sofrimento e devastação, precisamos agora de reconciliação

Considerações Finais



O grande Legislador universal, Hamurabi, antes de impor as leis ao seu povo, começa seu famoso código , por personificar o cosmos para assim dar um caráter universal ao seu regimento.
Termos visto nos últimos 500 anos a decadência e a expansão da civilização ocidental, ao mesmo tempo que impôs pensamentos, instituições e formas de ser aos povos do mundo, inteiro, baseados na técnica, na praxidade, e no progresso material.
Nos 300 últimos anos a história do homem tomou rumos jamais pensados nos 10.000 anos anteriores e atingiu o patamar de uma civilização global que se tornou próxima geograficamente, mas que ainda são regidos por estruturas mentais e sociais muito antigas proveniente do modelo da tribo e da pólis que ajudaram a constituir aos longo dos séculos os atuais Estados, as nacionalidades, mas que ainda não tem instrumentos para expressar e se tornar supra nacional e abranger os interesses e modos de ser de todos os povos.
Essa incapacidade foi se revelando no decorrer do processo de formação da modernidade que geraram pensamentos extremamente capazes de transformar e controlar o mundo pela racionalidade e experiência humana mas que deixou de fora seu coração.
Chegamos agora em uma encruzilhada: ou continuamos esse caminho de decadência (exploração, desigualdade social, ideologias totalitárias, destruição do meio ambiente ), até chegar ao paroxismo , ou começamos a a apalpar algo de novo em nossa existência.
Não há fórmulas , teremos que tentar uma nova legislação universal . Assim como há 2000 anos o olho por olho se tornou obsoleto, temos que entender que também as leis não podem decretar simpatias.
O alvo da mudança é o coração humano e esse só pode ser alcançado eficazmente , por aquilo que é transcendente. Hamurábi sabia disso.
As religiões mais elaboradas têm muito a oferecer umas às outras para a realização do bem comum, mas nem todas estão equipadas para o desafio da modernidade. Umas se tornaram demasiadamente tradicionais, outras se perderam no relativismo moderno.
O Concílio Vaticano II dotou a Igreja para o diálogo mundial e fez dela uma servidora da humanidade.
O desafio daqui para diante é plantar no coração dos homens e mulheres a semente que será regada por novas experiências de ordem ,e, quem conseguir herdar o que de bom foi produzido pela humanidade nesse caminho terá a base para uma nova forma de organização sobre a terra, talvez uma nova Cristandade, capaz de ser acolhedora para todos os homens e mulheres, e, superando uma ética meramente humana, a colher também a todos os seres vivos do planeta.

Referências


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